quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Bem-Aventurados os Aflitos — Parte 1

“Eu lhes disse essas coisas para que em mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo.” (João 16:33)

“Louva o céu azul que te imprime euforia ao pensamento, mas agradece, também, a nuvem que te garante a chuva, mensageira do pão.
Mesmo que não entendas, de pronto, os desígnios da Providência Divina, recebe a provação como sendo o melhor que merecemos hoje, em favor do amanhã, e, ainda que lágrimas dolorosas te lavem a alma toda, rende graças a Deus.” (Emmanuel) [1]

O Capítulo V do livro “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, intitulado “Bem-Aventurados os Aflitos”, é o mais extenso da terceira Obra Básica. A situação presente de nossa humanidade, ainda enfrentando diversas lições dolorosas a fim de aprender e superar o apego a valores mundanos, efetivamente requer entendimento dos porquês das visitas das aflições. Nosso Mestre Jesus, além de ter nos recomendado bom ânimo para, como ele, vencermos o mundo, também nos informou que quem crer nele fará as obras que ele realizou (João 14:12). A fim de atingirmos tal nível evolutivo, há muito a estudar. Estudemos, portanto, alguns tópicos abordados no Capítulo V de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.


Pontos de Partida

Antes de abordarmos a Obra Básica em questão, consideremos algumas premissas para melhor entendermos os estudos de Kardec:

1) Deus, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas (“O Livro dos Espíritos”, questão 01), é infinitamente justo e bom.O Criador não deseja que soframos; em Sua infinita justiça, Suas leis nos permitem aprender com as consequências de nossos atos, e, em Sua infinita bondade, propicia condições para repararmos nossos erros.
“(...) Deus é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom (...)”[2]
2) Não nos compete apontar os defeitos do nosso semelhante e atribuir, às suas aflições, as causas de seu sofrimento e as “penas” pelas quais deve passar. Todos temos muito a evoluir; devemos, sim, tratar de buscar nosso aperfeiçoamento.
“Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados” (Lucas 6:37)
3) Ao nos comunicarmos com nosso semelhante, especialmente se tivermos a oportunidade de levar algum aconselhamento sobre uma aflição, tratemos de levar mensagens úteis e benéficas, e não algo que diminua o ânimo de nossos irmãos em Deus e torne ainda mais pesada a situação vivenciada naquele instante.
“Linguagem sã e irrepreensível, para que o adversário se confunda, não tendo mal algum que dizer de nós.” (Carta de Paulo a Tito 02:08)

Pinga Fogo de 21/12/1971: Chico Xavier atende a um aflito

Missionários como Chico Xavier não devem ser tratados como ídolos e colocados num cômodo pedestal, pois eles vêm à Terra para nos ensinar pelo exemplo da caridade, o amor na prática. A melhor maneira de expressarmos nossa gratidão a tais Espíritos é estudar e dar continuidade ao Bem que praticaram.

Os dois programas Pinga Fogo de 1971 nos quais Chico Xavier fora entrevistado constituíram marcos no Movimento Espírita, tanto por  terem propiciado farto material — o qual ainda deve ser muito mais estudado e aprofundado — para melhor entendermos a Doutrina Espírita, quanto  por haver oferecido a oportunidade de ver, na prática, a postura de um autêntico seguidor dos postulados cristãos. Fica a sugestão de assistir a e estudar  essas duas entrevistas dos programas Pinga Fogo.

Na segunda entrevista, datada de 21 de dezembro de 1971, no item 40 do DVD do referido programa, intitulado “Um conselho”, um dos entrevistadores interrompe a sessão de perguntas e solicita a Chico Xavier levar uma palavra de ânimo a um artista famoso à época, o qual se afirmou desesperado devido à doença que tivera pouco tempo antes e pela enfermidade à qual sua esposa estava acometida. Sua postura em direção ao requerente nos permite verificar a aplicação prática das premissas acima; por exemplo:
  • Nenhum julgamento: não há insinuações sobre erros cometidos, sejam da encarnação atual ou de vivências pretéritas, os quais ele “tenha de pagar”. Por caridade divina, não lembramos nem dos detalhes de nossa vivência pessoal ao longo dos séculos passados; não há, portanto, o menor benefício em fazermos conjecturas sobre possíveis “pecados” pelos quais nosso semelhante esteja “pagando”. Além de não ser uma comunicação caridosa, tal postura contrariaria a recomendação de Jesus, anotada pelo apóstolo Lucas, citada acima. Lembremos sempre: A Doutrina Espírita ensina termos um passado, o qual pode ser inferido por nossas tendências [3], mas não serve para fazermos suposições lisonjeiras nem depreciativas, ambas tão infundadas quanto inúteis,sobre o passado nosso ou de qualquer pessoa;
  • O médium lembra que a dor tem uma função em nossas vidas, e, portanto, não é um “castigo”. Em essência, as aflições têm dois propósitos: sinalizar sobre um caminho a modificar e/ou trazer lições para aprender. Encarar as vivências menos felizes sob este prisma, em vez de ficarmos nos achando desafortunados merecedores de pena, já nos traz muito mais disposição para superar os desafios da vida;
  • Em sua infinita bondade, Deus sempre estende seu amparo a todos nós. As boas inspirações e energias da Espiritualidade Superior estão sempre à nossa disposição, competindo a nós, pela prece e pela prática do Bem, sintonizar e receber essas boas vibrações fundamentais tanto nos momentos agradáveis como nos em que a dor nos visita. Conforme anotado pelo Espírito André Luiz em uma palestra do instrutor Aniceto, o qual a transmitiu a nós por meio de Chico Xavier na obra “Os Mensageiros”:
“Ainda que nos demoremos nas lágrimas e nas aflições, jamais permanecemos ao desamparo.” [3]

Foto: Hendrio Belfort


Origem da palavra

Frequentemente, o conhecimento da origem dos termos em estudo ajuda muito a entender seu significado mais aprofundado. Isso acontece com a palavra aflição.

Aflição, do latim affligere, corresponde à união dos termos ad (sobre) e fligere (golpear), sendo este último relacionado com a palavra flagellus, a qual significa chicote. Não pensemos, porém, tal tipo de golpe  relacionado a flagelos físicos. O sacrifício agradável a nosso Criador é o das más tendências, do egoísmo e do orgulho, focando nas funções úteis dos momentos dificultosos de nossas vidas. Lembremo-nos da oportuna mensagem do Espírito que assinou como Um anjo guardião:
“Se quereis um cilício, aplicai-o às vossas almas e não aos vossos corpos; (...) fustigai o vosso orgulho, (...) enrijai-vos contra a dor da injúria e da calúnia (...), mais pungente do que a dor física.” [5]
É comum encontrarmos a palavra aguilhão na literatura espírita. O termo, sinônimo de espinho ou ferrão, mais uma vez lembra que a dor serve para informar sobre um caminho a corrigir, desafios a superar e/ou novas lições a aprender. Nas palavras do Codificador da Doutrina Espírita:
“A dor é o aguilhão que o impele para a frente, na senda do progresso.” [6]

Continua...

Após estes pontos de partida para o estudo do Capítulo V de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, em  postagem futura, abordaremos o texto de Kardec.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências
[1] XAVIER, Francisco Cândido. “Palavras de Vida Eterna”. Pelo Espírito Emmanuel. 8.ed. Uberaba, MG: Comunhão Espírita Cristã, 1986. Capítulo “Agradeçamos sempre”.
[2] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”.  questão 13, disponível para download em http://www.febnet.org.br/blog/geral/divulgacao/downloads-divulgacao/obras-basicas/
[3] KARDEC, Allan, “O Livro dos Espíritos”.  questão 393
[4] XAVIER, Francisco Cândido. “Os Mensageiros”. Pelo Espírito André Luiz. Capítulo 25.
[5] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. cap. V item 26
[6] KARDEC, Allan. “A Gênese”. Capítulo III (“O bem e o mal”). Item 5.