quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Evolução Espiritual de Longo Prazo

Na obra “Loucura e Obsessão” [1], o médico Manoel Philomeno de Miranda questiona o Dr. Bezerra de Menezes sobre o contexto que levou um menino, denominado Aderson, a sofrer com o autismo. Em dado momento, Miranda pergunta ao Mentor:
“— E ele se curará?”
Tal questionamento chama a atenção acerca de o que consideramos cura. Sem uma noção mais ampla acerca do que seja a cura, podemos enfrentar a desencarnação de um ente querido e nos revoltar por tê-lo “perdido”, mesmo com nossas orações mais fervorosas.

Primeiramente, não “perdemos” ninguém, pois pessoa alguma é propriedade nossa. Consideremos, também, que a pessoa desencarnada não está perdida — está sempre ao alcance e amparo de seu Espírito protetor. Agora, analisemos a questão do termo “cura”.

No idioma latim, cura significa “cuidado”, “atenção”, “zelo”. A expressão latina medici cura, utilizada pelo enciclopedista Aulus Celsus [2] no século I d.C., é traduzida por “cuidado médico”, começando aí a associação de “cura” com “tratamento da saúde”. O teólogo Leonardo Boff orienta [3] que cura, cuja forma latina mais antiga se escrevia coera, “era usada num contexto de relações de amor e de amizade. Expressava a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pela pessoa amada ou por um objeto de estimação”.

Atentando para o significado original de “cura”, pode-se concluir que “curar-se” significa “cuidar de si” — ou seja, darmos atenção à nossa essência. E qual a nossa essência: somos um corpo ou um Espírito temporariamente animando um corpo? Independente de sermos espiritualistas ou materialistas, todos somos Espíritos imortais, e não meros conjuntos de genes e tecidos que se agruparam “por acaso” e desaparecerão quando nosso corpo carnal não mais tiver vida.

Neste sentido, “curar-se” não é um cuidado que outros possam prestar a nós, mas sim uma atenção e evolução íntimas, de dentro para fora. Curar-se é, por meio de boas obras, orientadas ao Bem de nosso semelhante, fazermos as pazes com nossa consciência, local onde se encontram as Leis Divinas, conforme citado à questão 621 de “O Livro dos Espíritos” [4]. Cuidar bem de nós mesmos implica dar atenção à nossa evolução espiritual, em vez de um foco apenas material. É nos amarmos de fato, nos permitindo evoluir moral e intelectualmente. Sabendo nos amar e nos respeitar, aprendemos a amar e respeitar nossos semelhantes.

Uma só vida corporal, usualmente não muito mais do que 100 anos terrestres, não nos permite aprender tudo que há de lições morais e intelectuais na Terra. Como não há seres privilegiados na Criação, Deus nos oferta a bênção da pluralidade de existências corpóreas, uma série de “provas sem consulta”, ou com consulta limitada ao Plano Espiritual, para aferirmos a aquisição de conhecimentos morais e intelectuais cada vez mais elevados, aprendidos nas encarnações e nos períodos entre as mesmas.

Assim nos orientam os Espíritos da falange do Consolador, às questões 166, 166-a e 167:
166. Como pode a alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acabar de depurar-se?
“Sofrendo a prova de uma nova existência.”
a) — Como realiza essa nova existência? Será pela sua transformação como Espírito?
“Depurando-se, a alma indubitavelmente experimenta uma transformação, mas para isso necessária lhe é a prova da vida corporal.”

167. Qual o fim objetivado com a reencarnação?
“Expiação, melhoramento progressivo da Humanidade. Sem isto, onde a justiça?”

A vitória sobre um mau hábito; a aquisição de uma virtude; a reparação de um erro e todas conquistas espirituais podem não ser visualizadas em sua plenitude no breve tempo de uma existência corpórea. Isso não significa que a evolução não exista ou não esteja em progresso.

Um exemplo de processo de superação de uma ofensa recebida, ao longo de um de cinco reencarnações e quatro períodos na erraticidade (tempo entre reencarnações). Podemos superar dificuldades em muito menos etapas; só depende de nós.

Plantando em bom terreno e cuidando bem da semente, em algumas décadas, teremos uma árvore. Não veremos de imediato, na semente, a árvore: precisamos cuidar da semeadura e aguardar, com fé e perseverança. Semeando valores nobres em todas as provas de nossas vidas, em algumas décadas, ou talvez em alguns séculos ou milênios (tempo muito pequeno em comparação aos ciclos de vida do Universo), teremos atingido patamares de maturidade espiritual que, de imediato ou em alguns poucos anos, não teríamos condições de vislumbrar ou valorizar.

O próprio Universo se transforma e evolui ao longo de trilhões de anos, em ciclos de expansão e retraimento. Somos parte dessa Criação, e também somos fadados a nos transformar e evoluir ao longo de incontáveis ciclos de idas e vindas a planos de matéria densa e sutil. Como lemos em “O Livro dos Espíritos” (por exemplo, às questões 194, 365 e 781), jamais regredimos. O que parece um retrocesso é, antes, um ponto de melhoria antes desconhecido, ou que não tínhamos disposição e/ou maturidade para tratar.

Assim, sempre é tempo de recomeçar, aprender, evoluir. Instruídos à questão 195 de “O Livro dos Espíritos”, compreendemos ser um erro adiar para outro tempo o que nos caiba fazer agora. Mesmo assim, em qualquer época de nossas vidas, temos condições de, ao desejarmos algo aprender ou ao constatarmos um erro cometido, iniciar nosso plano de curto, médio e longo prazo para essa apreender essa lição.

Vejamos algumas lições do Espírito São Luís acerca do arrependimento, à questão 1007 de “O Livro dos Espíritos” e na obra “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:
Haverá Espíritos que nunca se arrependem?
‘Há os de arrependimento muito tardio; porém, pretender-se que nunca se melhorarão fora negar a lei do progresso e dizer que a criança não pode tornar-se homem.’” [4]

“Sei bem haver casos que se podem, com razão, considerar desesperadores; mas, se não há nenhuma esperança fundada de um regresso definitivo à vida e à saúde, existe a possibilidade, atestada por inúmeros exemplos, de o doente, no momento mesmo de exalar o último suspiro, reanimar-se e recobrar por alguns instantes as faculdades! Pois bem: essa hora de graça, que lhe é concedida, pode ser-lhe de grande importância. Desconheceis as reflexões que seu Espírito poderá fazer nas convulsões da agonia e quantos tormentos lhe pode poupar um relâmpago de arrependimento.” [5]

A constatação de um ponto a melhorar, e o consequente arrependimento por um proceder inadequado, são os primeiros passos para nossa evolução. Contudo, apenas o arrependimento, em si, não soluciona a questão. Por mais sincero seja o arrependimento, e por mais intensa a fé abraçada, se não houver obras, ou seja, ações objetivas em prol do Bem de nosso semelhante, motivadas pelo aprendizado na nova atitude, não consolidaremos nosso aprendizado e nosso amadurecimento. Lemos à questão 1002 de “O Livro dos Espíritos”:
Que deve fazer aquele que, em artigo de morte, reconhece suas faltas, quando já não tem tempo de as reparar? Basta-lhe nesse caso arrepender-se?
‘O arrependimento lhe apressa a reabilitação, mas não o absolve. Diante dele não se desdobra o futuro, que jamais se lhe tranca?’”

O que a constatação de um erro, cometido por nós ou contra nós, não pode trazer, são as angustiantes e improdutivas emoções do remorso e da revolta. Essas são verdadeiras barreiras à nossa evolução, por impedirem, respectivamente, de perdoarmos a nós mesmos e ao nosso semelhante. Novamente, é uma questão de bem cuidar, ou seja, de curar a nós e o próximo.

Em dois trechos da brilhante obra “Evolução em Dois Mundos”, André Luiz ilustra o severo impacto negativo que o remorso traz ao nosso mundo íntimo:
“Obliterados os núcleos energéticos da alma, capazes de conduzi-la às sensações de euforia e elevação, entendimento e beleza, precipita-se a mente, pelo excesso da taxa de remorso nos fulcros da memória, na dor do arrependimento a que se encarcera por automatismo, conforme os princípios de responsabilidade a se lhe delinearem no ser, plasmando com os seus próprios pensamentos as telas temporárias, mas por vezes de longuíssima duração, em que contempla, incessantemente, por reflexão mecânica, o fruto amargo de suas próprias obras, até que esgote os resíduos das culpas esposadas ou receba caridosa intervenção dos agentes do amor divino, que, habitualmente, lhe oferecem o preparo adequado para a reencarnação necessária, pela qual retomará ao aprendizado prático das lições em que faliu.” [6]

“A recordação dessa ou daquela falta grave, mormente daquelas que jazem recalcadas no espírito, sem que o desabafo e a corrigenda funcionem por válvulas de alívio às chagas ocultas do arrependimento, cria na mente um estado anômalo que podemos classificar de ‘zona de remorso’, em torno da qual a onda viva e contínua do pensamento passa a enovelar-se em circuito fechado sobre si mesma, com reflexo permanente na parte do veículo fisiopsicossomático ligada à lembrança das pessoas e circunstâncias associadas ao erro de nossa autoria.
(...)
É assim que o remorso provoca distonias diversas em nossas forças recônditas, desarticulando as sinergias do corpo espiritual, criando predisposições mórbidas para essa ou aquela enfermidade, entendendo-se, ainda, que essas desarmonias são, algumas vezes, singularmente agravadas pelo assédio vindicativo dos seres a quem ferimos, quando imanizados a nós em processos de obsessão. Todavia, ainda mesmo quando sejamos perdoados pelas vítimas de nossa insânia, detemos conosco os resíduos mentais da culpa, qual depósito de lodo no fundo de calma piscina, e que, um dia, virão à tona de nossa existência, para a necessária expunção, à medida que se nos acentue o devotamento à higiene moral.” [7]

Preciosos relatos de autores espirituais nos informam sobre o lento e gradual processo de evolução, para aprendizado e reparação de erros, que se opera ao longo de diversos processos reencarnatórios. Além da obra “Evolução em Dois Mundos”, acima citada, relacionamos, a título de exemplos, as obras “Entre a Terra e o Céu” e “Memórias de um Suicida”, referidas na postagem “Considerações sobre o Aborto Espontâneo”, neste blog.

A lentidão de tais processos de reforma íntima não se deve a nenhuma morosidade do Plano Espiritual, mas às nossas próprias limitações em estudar, apreender e aplicar novas lições, especialmente no campo da evolução moral. Dispomos de muitos bons exemplos de dedicação ao próximo para seguir e acelerar nossa melhoria. Allan Kardec, à questão 625 de “O Livro dos Espíritos”, pergunta qual o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo, recebendo a resposta mais breve e, talvez, mais profunda da referida obra: Jesus. Não se trata de nenhum ato de fanatismo, mas de fé raciocinada. Exemplificando a caridade incondicional e o desapego à vida material, Jesus nos apresenta um roteiro lógico e exequível de amadurecimento espiritual. Relembrando o versículo 06 do Salmo 82 e indo além, Jesus nos orienta:
“Não está escrito na vossa Lei: Eu disse que vós sois deuses?” (João 10:34)

“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim, esse fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores (...)” (João 14:12)

Podemos, agora, compreender melhor por que Bezerra de Menezes respondeu à questão citada ao início desta postagem, no livro “Loucura e Obsessão”, nos seguintes termos:
“— Os desígnios de Deus — respondeu, reflexionando — são inescrutáveis. Caso não recupere todas as suas funções, para a atual existência, melhorará as condições para os próximos cometimentos. Deveremos examinar a Vida sob o ponto de vista global e não angular, de uma única experiência física, como a atual. Da mesma forma que vamos buscar as origens dos males de hoje no passado do Espírito, é justo que pensemos na sua felicidade em termos de amanhã, considerando o presente como sendo uma ponte entre os dois períodos e não a situação única a vivenciar. Destas atitudes resulta o porvir com todas as suas implicações. Assim, lancemos para amanhã os resultados do esforço de agora.” [1]


Leia também, neste blog, as postagens “Penas ‘Eternas’”, “Falsos Cristos, falsos profetas e seus seguidores”, “154 anos do Consolador Prometido”, “Focos de desequilíbrio espiritual”, “Considerações sobre a pluralidade das existências 1 e 2”, “A Fé”, “O Universo Cíclico”, “Mortes prematuras”, “Considerações sobre o Aborto Espontâneo”, “Bezerra de Menezes” e “Cuida de Ti”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:

[1] FRANCO, Divaldo Pereira. “Loucura e Obsessão”. 8.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1998. Capítulo 7.
[2] CELSUS, Aulus Cornelius. “De Medicina”. Livro III, item 9.1. Loeb Classical Library edition, 1935. Disponível em http://penelope.uchicago.edu/Thayer/L/Roman/Texts/Celsus/3*.html. Acesso em 18/01/2011.
[3] BOFF, Leonardo. “Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra”. 10.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. Capítulo VII.
[4] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questões 166, 166-a, 167, 194, 195, 365, 621, 625, 781, 1002 e 1007.
[5] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Capítulo V (“Bem-aventurados os aflitos”), item 28.
[6] XAVIER, Francisco Cândido. “Evolução em Dois Mundos”. Pelo Espírito André Luiz. 14.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1995. Primeira parte, capítulo 16.
[7] Ibidem. Segunda parte, capítulo 19.




sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A lei de talião

A expressão “lei de talião” advém do latim lex talionis, onde lex significa lei e talis significa tal, ou igual. É o estabelecimento da proporcionalidade da pena no mesmo grau percebido da ofensa. Suas primeiras referências históricas constam das leis 196, 197 e 200 do Código de Hamurabi (por volta de 1780 a.C.). Na Torá ou Lei de Moisés (estima-se ter sido escrita pelo profeta no século 13 a.C.), esta lei é expressa em trechos como Êxodo 21:23-25; Levítico 24:20 e Deuteronômio 19:21.

A lei de talião é conhecida pelas expressões “olho por olho, dente por dente”; “pagar na mesma moeda”; “aqui se faz, aqui se paga”, entre outras. Tal pena é frequentemente indicada para referir uma punição cruel. Porém, em nosso mundo íntimo, se não contivermos e modificarmos nossos instintos inferiores, podemos nos perceber acalentando essa ideia, se não pensamentos ainda piores.

Ao recebermos uma ofensa, podemos superá-la com o pensamento caridoso de que o ofensor é uma pessoa necessitada de esclarecimento e ajuda. Em vez disso, podemos desejar ofender na mesma proporção de ofensa por nós percebida, seguindo os preceitos de quase 3800 anos da lei de talião. E, pior, podemos desejar atos muito piores e desproporcionais. Veem-se, no quotidiano, brigas com lesões graves, originadas de acidentes leves de trânsito, onde tinham ocorrido apenas danos materiais. Meras divergências de opiniões ou interesses ainda geram de agressões a guerras, em pleno século 21 d.C. Notemos a gravidade da situação: tais atitudes nos situam moralmente na Antiguidade da História; eram ações apenas tidas como razoáveis há mais de quatro mil anos! Não podemos permanecer tão atrasados em questões morais — e é o fazemos quando afirmamos, orgulhosamente, que “não levamos ofensa para casa”, ou que “bateu, levou”.


Uma interpretação literal do Evangelho parece endossar a aplicação, por nós, da lei de talião. A Doutrina Espírita, buscando a essência moral dos ensinos de Jesus, alerta para erros como esse. À questão 764 de “O Livro dos Espíritos”, encontramos:

Disse Jesus: Quem matou com a espada, pela espada perecerá. Estas palavras não consagram a pena de talião e, assim, a morte dada ao assassino não constitui uma aplicação dessa pena?
‘Tomai cuidado! Muito vos tendes enganado a respeito dessas palavras, como acerca de outras. A pena de talião é a justiça de Deus. É Deus quem a aplica. Todos vós sofreis essa pena a cada instante, pois que sois punidos naquilo em que haveis pecado, nesta existência ou em outra. Aquele que foi causa do sofrimento para seus semelhantes virá a achar-se numa condição em que sofrerá o que tenha feito sofrer. Este o sentido das palavras de Jesus. Mas, não vos disse ele também: Perdoai aos vossos inimigos? E não vos ensinou a pedir a Deus que vos perdoe as ofensas como houverdes vós mesmos perdoado, isto é, na mesma proporção em que houverdes perdoado, compreendei-o bem?’” [1]

Ou seja: se prejudicamos a alguém e perseverarmos nesse erro, sem darmos ouvidos à nossa consciência, acabaremos tendo de enfrentar erro similar imposto a nós, a fim de despertarmos. Contudo, não é esse o único caminho: se nos melhorarmos e trabalharmos por nosso aperfeiçoamento moral, pelo bem de nosso semelhante e de nosso planeta, não nos será necessária a pena de talião.

Deus, o Criador de tudo e de todos, é infinitamente justo e bom, e criou leis morais também perfeitas, como a Lei de Destruição, que não passa de uma transformação para melhor, como lemos à questão 728 de “O Livro dos Espíritos”.

Jesus propôs uma forma mais madura de buscar entender Deus. Na obra “A Gênese”, Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, esclarece:

“A parte mais importante da revelação do Cristo, no sentido de fonte primária, de pedra angular de toda a sua doutrina é o ponto de vista inteiramente novo sob que considera ele a Divindade.
(...)
Já não é o Deus que faz da vingança uma virtude e ordena se retribua olho por olho, dente por dente; mas, o Deus de misericórdia, que diz: ‘Perdoai as ofensas, se quereis ser perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façais o que não quereis vos façam.’” [2]


Somos, diariamente, convidados a destruir o ser humano da Antiguidade que ainda possa viver em nós, permitindo nascer um Espírito renovado, focado no bem da Humanidade, de forma coerente com a Lei de Amor enunciada por Jesus. Foi Ele quem apresentou a evolução da Lei de Moisés em tantos pontos, como o em foco:

“Tendes ouvido que foi dito: Olho por olho, e dente por dente.
Eu, porém, vos digo: Não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te dá na face direita, volta-lhe também a outra;
(...)
Tendes ouvido que foi dito: Amarás o teu próximo e aborrecerás o teu inimigo.
Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem,
para que vos torneis filhos de vosso Pai que está nos céus, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons, e vir chuvas sobre justos e injustos.” (Mateus 05:38-45)

Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, assim comenta a passagem evangélica acima:

“Ao orgulhoso este ensino parecerá uma covardia, porquanto ele não compreende que haja mais coragem em suportar um insulto do que em tomar uma vingança, e não compreende, porque sua visão não pode ultrapassar o presente. (...)
Levado o ensino às suas últimas consequências, importaria ele em condenar toda repressão, mesmo legal, e deixar livre o campo aos maus, isentando-os de todo e qualquer motivo de temor. Se se lhes não pusesse um freio às agressões, bem depressa todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei da Natureza, obsta a que alguém estenda o pescoço ao assassino. Enunciando, pois, aquela máxima, não pretendeu Jesus interdizer toda defesa, mas condenar a vingança. Dizendo que apresentemos a outra face àquele que nos haja batido numa, disse, sob outra forma, que não se deve pagar o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe abater o orgulho; que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender, de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os outros. É, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não passa de uma manifestação de orgulho. Somente a fé na vida futura e na justiça de Deus, que jamais deixa impune o mal, pode dar ao homem forças para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e no amor-próprio. Daí vem o repetirmos incessantemente: Lançai para diante o olhar; quanto mais vos elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos magoarão as coisas da Terra.” [3]

A Codificação Espírita existe, também, para nos fazer aprender com exemplos de êxito na transformação moral, bem como os relatos menos felizes e que nos alertam acerca de caminhos a evitar. O livro “O Céu e o Inferno”, em sua segunda parte, intitulada “Exemplos”, traz relatos que muito ilustram, de forma prática, os preceitos da Doutrina dos Espíritos. Vejamos o caso da mendiga Julienne-Marie, relatado nessa obra:

“Evocado a 10 de junho de 1864, na Sociedade de Paris, o Espírito Julienne ditou a mensagem seguinte:
‘Caro presidente: obrigada por quererdes admitir-me ao vosso centro. Previstes, sob o ponto de vista social, a superioridade das minhas antecedentes encarnações, pois, se voltei à Terra com a prova da pobreza, foi para punir-me do vão orgulho com o qual repelia os pobres, os miseráveis. Assim, passei pela pena de talião, fazendo-me a mais horrenda mendiga deste país; mas, ainda assim, como que para certificar-me da bondade de Deus, nem por todos fui repelida: e esse era todo o meu temor. Também foi sem queixumes que suportei a provação, pressentindo uma vida melhor, da qual não mais tornaria ao mundo do exílio e da calamidade. Que ventura a desse dia em que a nossa alma rejuvenescida pode franquear a vida espiritual para aí rever os seres amados! Sim, porque também amei e considero-me feliz pelo encontro dos que me precederam.
(...)
Agradecei ao Senhor o permitir que os bons Espíritos vos orientem, a fim de animardes o pobre nas suas mágoas, e deterdes o rico em seu orgulho. Capacitai-vos de quanto é vergonhosa a repulsa para com os infelizes, servindo-vos o meu exemplo, a fim de evitardes o retorno à Terra, em expiação de faltas (...)’” [4]

Notemos um aspecto crucial da atitude de Julienne, que foi o enfrentamento, sem revolta, das dificuldades. Entendendo toda prova ou expiação como lições a aprender, e efetivamente buscando tal aprendizado, evoluímos moralmente, amadurecemos espiritualmente. Resignação, com trabalho em prol de nosso aperfeiçoamento, nada tem a ver com conformismo inerte e improdutivo.

Importante termos em mente que nem toda situação dificultosa pela qual passemos significa a aplicação da lei de talião. Nem tudo que sofremos é decorrente de erros de vidas passadas. Pensar assim reforçaria sentimentos de culpa e/ou de autocomiseração, e ambos não levam a progresso nenhum. Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, encontramos preciosas orientações a esse respeito:

“As tribulações podem ser impostas a Espíritos endurecidos, ou extremamente ignorantes, para levá-los a fazer uma escolha com conhecimento de causa. Os Espíritos penitentes, porém, desejosos de reparar o mal que hajam feito e de proceder melhor, esses as escolhem livremente.
Tal o caso de um que, havendo desempenhado mal sua tarefa, pede lha deixem recomeçar, para não perder o fruto de seu trabalho. As tribulações, portanto, são, ao mesmo tempo, expiações do passado, que recebe nelas o merecido castigo, e provas com relação ao futuro, que elas preparam. Rendamos graças a Deus, que, em sua bondade, faculta ao homem reparar seus erros e não o condena irrevogavelmente por uma primeira falta.
Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação.” [5]

Examinemos nosso proceder diário, e veremos que poderíamos evitar muitos dissabores se agíssemos melhor para com nosso semelhante. Muito do que se pode pensar ser a pena de talião por vidas passadas, na realidade, são consequências de atos muito recentes:

“Remontando-se à origem dos males terrestres, reconhecer-se-á que muitos são consequência natural do caráter e do proceder dos que os suportam.
Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!
Quantos se arruínam por falta de ordem, de perseverança, pelo mau proceder, ou por não terem sabido limitar seus desejos!
Quantas uniões desgraçadas, porque resultaram de um cálculo de interesse ou de vaidade e nas quais o coração não tomou parte alguma!
Quantas dissensões e funestas disputas se teriam evitado com um pouco de moderação e menos suscetibilidade!
Quantas doenças e enfermidades decorrem da intemperança e dos excessos de todo gênero!” [6]

Ao líder pacifista Mohandas Karamchand Gandhi é atribuída a frase: “olho por olho torna o mundo inteiro cego”. Perdoar e superar erros, tanto nossos como alheios, não é mero discurso bonito, mas uma necessidade urgente para nossa própria evolução. Não vivamos remoendo erros do passado: só temos um tempo para nos melhorar — e esse tempo é agora.


Leia também, neste blog, as postagens “O amor cobre uma multidão de pecados”, “Expiação, Prova e Missão”, “O Bem e o Mal”, “Vigiai e Orai”, “Inteligência e Instinto” e “Considerações sobre a pluralidade das existências”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:
[1] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 764.
[2] KARDEC, Allan. “A Gênese”. 34.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1991. Capítulo I, item 23.
[3] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Capítulo XII (“Amai os vossos inimigos”), item 8.
[4] KARDEC, Allan. “O Céu e o Inferno”. 37.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1991. Segunda parte, Capítulo VIII.
[5] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Capítulo V, itens 8 a 9.
[6] Ibidem, item 4.




domingo, 2 de janeiro de 2011

Planejamento Espiritual para 2011

O confrade Gerson Simões Monteiro, em sua coluna semanal no jornal Extra, do Rio de Janeiro, incentiva-nos a planejar o ano que se inicia.

Foto: Hendrio Belfort


Feliz 2011!
Bons estudos!
Carla e Hendrio


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PLANEJAMENTO ESPIRITUAL PARA 2011

Ao logo de 2010 é bem verdade que fizemos muitas coisas boas no sentido da nossa evolução espiritual, mas é claro que muita coisa, ainda, precisamos fazer a fim de nos melhorarmos interiormente. Para isso, relacionemos de um lado tudo o que fizemos de bom no ano que terminou, e do outro, o que precisamos realizar em 2011.

Comecemos o nosso projeto de renovação espiritual nesse ano, prevendo, entre outras, as seguintes ações, por exemplo: vou me queixar menos da vida; serei mais paciente dentro do lar e fora dele; farei todo esforço para não guardar ressentimentos de ninguém; darei nesse ano mais valor ao trabalho da esposa dentro de casa; procurarei não falar palavrão para higienizar a minha boca espiritualmente; farei de tudo para não me irritar no trabalho, na condução ou no trânsito; serei menos implicante com os meus familiares; e me esforçarei ao máximo para acabar com o vício do fumo, das bebidas e das drogas.

Além disso, inclua também na sua lista mais ainda as seguintes ações: farei tudo para perdoar os meus inimigos e sempre que possível ajudá-los quando for preciso; vou me esforçar mesmo para falar menos da vida alheia; procurarei ter mais boa vontade para ajudar meus colegas de trabalho; deverei orar a Deus com mais fervor para vencer a insegurança; vou evitar de me colocar sempre no lugar de vítima para tirar partido da situação; e praticarei a caridade sempre que puder; Enfim, verifique o que você precisa fazer, e depois disso, aproveite 2011 para realizar todo o bem possível.

Neste ensejo, quero agradecer aos leitores dessa coluna as palavras de amizade enviadas através de e-mails e de cartas em 2010, bem ainda, as preces que recebi dos seus corações generosos. Aproveito a oportunidade, também, para rogar ao Pai Celestial paz e saúde em 2011 para os Diretores desse Jornal e todos os seus funcionários, como também, para todos os meus leitores e seus familiares. Desejando, finalmente, que os raios de luz da estrela da esperança se estenda pelos meus companheiros religiosos do Blog Religião e Fé.



Gerson Simões Monteiro
Vice-Presidente da FUNTARSO
e-mail gerson@radioriodejaneiro.am.br


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Fonte: http://extra.globo.com/geral/religiaoefe/gersonmonteiro/