quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pressentimentos

Pressentimento, conforme definição léxica, é um “sentimento intuitivo e alheio a uma causa conhecida, que permite a previsão de acontecimentos futuros; intuição, palpite, presságio” [1].

Como se pode compreender a existência de um pressentimento, de uma ideia acerca do futuro apresentada por outro Espírito? Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, propôs, na obra “A Gênese” [2], uma analogia para a compreensão desse mecanismo, bem como da responsabilidade de um Espírito ao buscar levar, a outro ser, parte do conhecimento sobre eventos ainda não ocorridos:

“Suponhamos um homem colocado no cume de uma alta montanha, a observar a vasta extensão da planície em derredor. Nessa situação, o espaço de uma légua pouca coisa será para ele, que poderá facilmente apanhar, de um golpe de vista, todos os acidentes do terreno, de um extremo a outro da estrada que lhe esteja diante dos olhos. (...) Suponhamos que esse homem desce do seu ponto de observação e, indo ao encontro do viajante, lhe diz: ‘Em tal momento, encontrarás tal coisa, serás atacado e socorrido’. Estará predizendo o futuro, mas, futuro para o viajante, não para ele, autor da previsão, pois que, para ele, esse futuro é presente.
(...)
Os Espíritos desmaterializados são como o homem da montanha; o espaço e a duração não existem para eles. Mas, a extensão e a penetração da vista são proporcionadas à depuração deles e à elevação que alcançaram na hierarquia espiritual.
(...)
Bem se compreende, pois, que, de conformidade com o grau de sua perfeição, possa um Espírito abarcar um período de alguns anos, de alguns séculos, mesmo de muitos milhares de anos, porquanto, que é um século em face do infinito? Diante dele, os acontecimentos não se desenrolam sucessivamente, como os incidentes da estrada diante do viajor: ele vê simultaneamente o começo e o fim do período; todos os eventos que, nesse período, constituem o futuro para o homem da Terra são o presente para ele, que poderia então vir dizer-nos com certeza: Tal coisa acontecerá em tal época, porque essa coisa ele a vê como o homem da montanha vê o que espera o viajante no curso da viagem. Se assim não procede, é porque poderia ser prejudicial ao homem o conhecimento do futuro, conhecimento que lhe pearia o livre-arbítrio, paralisá-lo-ia no trabalho que lhe cumpre executar a bem do seu progresso. O se lhe conservarem desconhecidos o bem e o mal com que topará constitui para o homem uma prova.
(...)
Entretanto, como o homem tem de concorrer para o progresso geral, como certos acontecimentos devem resultar da sua cooperação, pode convir que, em casos especiais, ele pressinta esses acontecimentos, a fim de lhes preparar o encaminhamento e de estar pronto a agir, em chegando a ocasião. Por isso é que Deus, às vezes, permite se levante uma ponta do véu; mas, sempre com fim útil, nunca para satisfação de vã curiosidade. Tal missão pode, pois, ser conferida, não a todos os Espíritos, porquanto muitos há que do futuro não conhecem mais do que os homens, porém a alguns Espíritos bastante adiantados para desempenhá-la.” [2]

Foto: Hendrio Belfort

A título de curiosidade sobre a expressão “levantar uma ponta do véu”, utilizada acima: a palavra grega utilizada para revelação é apokalypsis (ἀποκάλυψις), a qual significa, literalmente, revelar, retirar o véu [3]. Nota-se, portanto, que o termo que dá origem à palavra apocalipse não tem qualquer relação com catástrofes ou fim do mundo, frequentemente associados ao verbete em português. Na Bíblia em inglês, o livro do Apocalipse se chama Revelação.

Os Espíritos Superiores, em resposta à questão 522 de “O Livro dos Espíritos” [4], explicam que o pressentimento tanto pode ser o conselho íntimo e oculto de um Espírito que nos quer bem, como a intuição de uma etapa do plano reencarnatório, quando esta fase está próxima de ocorrer (voz do instinto). Ou seja, existem pressentimentos advindos de um processo mediúnico (por influência de uma inteligência externa) e outros de processo anímico (pela própria alma de quem pressente). Busquemos focar em pressentimentos na qualidade de percepções, inspiradas ou deduzidas, com vistas ao Bem. Kardec esclarece, a respeito dos pressentimentos provenientes de outros Espíritos, nos seguintes termos:

“A inspiração nos vem dos Espíritos que nos influenciam para o bem, ou para o mal, porém, procede, principalmente, dos que querem o nosso bem e cujos conselhos muito amiúde cometemos o erro de não seguir. Ela se aplica, em todas as circunstâncias da vida, às resoluções que devamos tomar. Sob esse aspecto, pode dizer-se que todos são médiuns, porquanto não há quem não tenha seus Espíritos protetores e familiares, a se esforçarem por sugerir aos protegidos salutares ideias. Se todos estivessem bem compenetrados desta verdade, ninguém deixaria de recorrer com frequência à inspiração do seu anjo de guarda, nos momentos em que se não sabe o que dizer, ou fazer. Que cada um, pois, o invoque com fervor e confiança, em caso de necessidade, e muito frequentemente se admirará das ideias que lhe surgem como por encanto, quer se trate de uma resolução a tomar, quer de alguma coisa a compor. Se nenhuma ideia surge, é que é preciso esperar.” [5]

Importa considerar que um aparente pressentimento, mormente o de caráter negativo, também pode ser induzido por Espíritos que desejam o nosso desequilíbrio, conforme se pode inferir da mensagem “Influenciações Espirituais Sutis”, de autoria do Espírito André Luiz [6], da qual transcrevemos o trecho correspondente:

“Sempre que você experimente um estado de espírito tendente ao derrotismo, perdurando há várias horas, sem causa orgânica ou moral de destaque, avente a hipótese de uma influenciação espiritual sutil. (...) Dentre os fatores que mais revelam essa condição da alma, incluem-se:
- (...) indisposição inexplicável, tristeza sem razão aparente e pressentimentos de desastre imediato (...)”

Vemos, portanto, como a Doutrina Espírita aborda de forma responsável a questão dos pressentimentos. Orientados ao Bem, eles surgem apenas nos momentos adequados à nossa evolução moral e intelectual. As interações entre os dois planos da vida — o de matéria densa e o de matéria quintessenciada — devem ser feitas com responsabilidade, pois Espíritos de maior evolução não gastam seu tempo inspirando pressentimentos de adivinhações e assuntos banais. Foi o intercâmbio irresponsável com o plano espiritual que Moisés condenara, em citações como Deuteronômio 18:09-14 e Levítico 19:31. A interação entre os dois planos da vida em prol do Bem era utilizada tanto por Moisés (Números 11:26-29) como pelo Mestre Jesus (Marcos 09:38-40). Kardec, buscando trazer respostas dos Espíritos da Falange do Consolador a questões usuais, ilustra o tema em foco com estes ensinos [7]:

Por que, quando fazem pressentir um acontecimento, os Espíritos sérios de ordinário não determinam a data? Será porque o não possam, ou porque não queiram?
‘Por uma e outra coisa. Eles podem, em certos casos, fazer que um acontecimento seja pressentido: nessa hipótese, é um aviso que vos dão. Quanto a precisar-lhe a época, é frequente não o deverem fazer. Também sucede com frequência não o poderem, por não o saberem eles próprios. Pode o Espírito prever que um fato se dará, mas o momento exato pode depender de acontecimentos que ainda se não verificaram e que só Deus conhece. Os Espíritos levianos, que não escrupulizam de vos enganar, esses determinam os dias e as horas, sem se preocuparem com que o fato predito ocorra ou não. Por isso é que toda predição circunstanciada vos deve ser suspeita.
‘Ainda uma vez: a nossa missão consiste em fazer-vos progredir; para isso vos auxiliamos tanto quanto podemos. Jamais será enganado aquele que aos Espíritos superiores pedir a sabedoria; não acrediteis, porém, que percamos o nosso tempo em ouvir as vossas futilidades e em vos predizer a boa fortuna. Deixamos esse encargo aos Espíritos levianos, que com isso se divertem, como crianças travessas.
‘A Providência pôs limite às revelações que podem ser feitas ao homem. Os Espíritos sérios guardam silêncio sobre tudo aquilo que lhes é defeso revelarem. Aquele que insista por uma resposta se expõe aos embustes dos Espíritos inferiores, sempre prontos a se aproveitarem das ocasiões que tenham de armar laços à vossa credulidade.’” [7]

A benfeitora espiritual Joanna de Ângelis, na obra “Lições para a felicidade” [8], aconselha que analisemos os pressentimentos de forma clara e tranquila, quando ocorram, avaliando qual a mensagem de advertência ou socorro de que se fazem portadores. E conclui que, mantendo-nos em comunhão com os Espíritos Superiores, recebemos deles, por pressentimentos, notícias das ocorrências futuras, de modo a nos preparamos para melhor enfrentá-las e bem conduzi-las.


Leia também, neste blog, as postagens “Influência do Meio”, “Inspiração”, “Mediunidade na Bíblia”, “Causa da Obsessão”, “A Influência de ‘Maus’ Espíritos” e “O Bem e o Mal”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:

[1] HOLANDA, Aurélio Buarque de. “Novo Dicionário Eletrônico Aurélio”. Versão 5.0 de 2004. Positivo Informática. Pressentimento.
[2] KARDEC, Allan. “A Gênese”. 34ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1991. Capítulo XVI (Teoria da Presciência), itens 2 a 4.
[3] Wiktionary. Palavra ἀποκαλύπτω (apokalúptō). Disponível em http://en.wiktionary.org/wiki/%E1%BC%80%CF%80%CE%BF%CE%BA%CE%AC%CE%BB%CF%85%CF%88%CE%B9%CF%82. Acesso em 16/08/2010.
[4] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 522.
[5] KARDEC, Allan. “O Livro dos Médiuns”. 55ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Segunda Parte, Capítulo XV, item 182.
[6] XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. “Estude e Viva”. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 6ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1986. Capítulo 35.
[7] KARDEC, Allan. “O Livro dos Médiuns”. 55ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Segunda Parte, Capítulo XXVI, item 289 (Perguntas sobre o futuro), 11ª questão.
[8] FRANCO, Divaldo P. “Lições para a felicidade”. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 2003. Capítulo 13 – Pressentimento.


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