sábado, 10 de outubro de 2009

A riqueza

Em diversas passagens registradas nos Evangelhos, Jesus explicou que não devemos viver apenas em função das coisas materiais, comprometendo nossa evolução espiritual. A riqueza é uma ferramenta que a Providência Divina coloca à disposição do homem para o seu aperfeiçoamento espiritual, cabendo ao homem fazer bom uso dela. É, portanto, uma prova [1].

Desafiando o foco no material ao sugerir que o jovem vendesse o que tivesse e entregasse aos pobres (Mateus 19:16-22); condenando a avareza (Lucas 12:13-21); valorizando o compartilhamento da riqueza e a reparação a quem se causou dano (ao interagir com Zaqueu; Lucas 19:1-10); evidenciando que a riqueza e conhecimento intelectual não implicam paz de Espírito a ninguém (Parábola do Mau Rico; Lucas 16:19-31); elucidando que o recurso material, como qualquer outro que pode trazer auxílio ao próximo, não pode ser estagnado e deve ser multiplicado (Parábola dos Talentos; Mateus 25:14-30), Jesus indica que os recursos materiais são-nos concedidos, por empréstimo de Deus, para que façamos o melhor ao outro, e incita a não invertermos o sentido da posse, ainda que temporária – isto é, que o dinheiro não seja dono de nós.

É a interpretação literal de citações como “É mais fácil que um camelo passe pelo buraco de uma agulha, do que entrar um rico no reino dos céus” (Marcos 10:25), que traz esta confusão toda. Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, publicado em 1864, Allan Kardec pondera [2]: “Se a riqueza houvesse de constituir obstáculo absoluto à salvação dos que a possuem, conforme se poderia inferir de certas palavras de Jesus, interpretadas segundo a letra e não segundo o Espírito, Deus, que a concede, teria posto nas mãos de alguns um instrumento de perdição, sem apelação nenhuma, idéia que repugna à razão."

Mais de um século antes, o Codificador anteviu, por dedução lógica, a chegada da Globalização (processo de aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política, impulsionado pela expansão dos meios de transporte e comunicação no final do século XX e início do século XXI), elucidando a necessidade de recursos materiais para tal, como vemos a seguir [2]: “Com efeito, o homem tem por missão trabalhar pela melhoria material do planeta. Cabe-lhe desobstrui-lo, saneá-lo, dispô-lo para receber um dia toda a população que a sua extensão comporta. Para alimentar essa população que cresce incessantemente, preciso se faz aumentar a produção. Se a produção de um país é insuficiente, será necessário buscá-la fora. Por isso mesmo, as relações entre os povos constituem uma necessidade. A fim de mais as facilitar, cumpre sejam destruídos os obstáculos materiais que os separam e tornadas mais rápidas as comunicações. Para trabalhos que são obra dos séculos, teve o homem de extrair os materiais até das entranhas da terra; procurou na Ciência os meios de os executar com maior segurança e rapidez. Mas, para os levar a efeito, precisa de recursos: a necessidade fê-lo criar a riqueza, como o fez descobrir a Ciência. A atividade que esses mesmos trabalhos impõem lhe amplia e desenvolve a inteligência, e essa inteligência que ele concentra, primeiro, na satisfação das necessidades materiais, o ajudará mais tarde a compreender as grandes verdades morais. Sendo a riqueza o meio primordial de execução, sem ela não mais grandes trabalhos, nem atividade, nem estimulante, nem pesquisas. Com razão, pois, é a riqueza considerada elemento de progresso.”



Nas Instruções dos Espíritos da mesma obra supracitada [3], Cheverus complementa a partir das palavras de Jesus: “Qual, então, o melhor emprego que se pode dar à riqueza? Procurai – nestas palavras: ‘Amai-vos uns aos outros’, a solução do problema. Elas guardam o segredo do bom emprego das riquezas. Aquele que se acha animado do amor do próximo tem aí toda traçada a sua linha de proceder. Na caridade está, para as riquezas, o emprego que mais apraz a Deus. Não nos referimos, é claro, a essa caridade fria e egoísta, que consiste em a criatura espalhar ao seu derredor o supérfluo de uma existência dourada. Referimo-nos à caridade plena de amor, que procura a desgraça e a ergue, sem a humilhar.”

Corroborando esse raciocínio, Emmanuel desenvolve [4], lembrando que nossas riquezas não se restringem ao dinheiro: “Há ricos de dinheiro, tão ricos de usura, que se fazem mais pobres que os pobres pedintes da via pública que, muitas vezes, não dispõem sequer de um pão. Há ricos de conhecimento, tão ricos de orgulho, que se fazem mais pobres que os pobres selvagens ainda insulados nas trevas da inteligência. Há ricos de tempo, tão ricos de preguiça, que se fazem mais pobres que os pobres escravizados às tarefas de sacrifício. Há ricos de possibilidades, tão ricos de egoísmo, que se fazem mais pobres que os pobres irmãos em amargas lutas expiatórias, de que tudo carecem para ajudar. Há ricos de afeto, tão ricos de ciúme, que se fazem mais pobres que os pobres companheiros em prova rude, quando relegados à solidão. Lembra-te, pois, de que todos somos ricos de alguma coisa ante o Suprimento Divino da Divina Bondade, e, usando os talentos que a vida te confia na missão de fazer mais felizes aqueles que te rodeiam, chegará o momento em que te surpreenderás mais rico que todos os ricos da Terra, porquanto entesourarás no próprio coração a eterna felicidade que verte do amor de Deus.”


Leia também, neste blog, a postagem “Os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências
1. KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1987. Questões 814, 815, 816 e 925.
2. KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97ª ed. RIO DE JANEIRO, FEB: 1987. Capítulo 16, item 7.
3. KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97ª ed. RIO DE JANEIRO, FEB: 1987. Capítulo 16, item 11.
4. XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. “O Espírito da Verdade”. Por diversos Espíritos. 15ª ed. RIO DE JANEIRO, FEB, 2006. Cap. 69.

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