sábado, 26 de dezembro de 2009

Lições sobre o nascimento de Jesus

Carlos Torres Pastorino apresenta, em sua obra “Sabedoria do Evangelho” [1], uma interessante análise sobre os primeiros vinte versículos do segundo capítulo do livro de Lucas. Estudando essa narrativa do nascimento de Jesus, depreendem-se lições tão lindas como práticas acerca de nosso próprio despertamento moral.

Os primeiros sete versículos assim são narrados:

1. Naqueles dias foi expedido um decreto de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado.
2. Este recenseamento foi primeiro (antes) do que se fez no tempo em que Quirino era governador da Síria.
3. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.
4. José também subiu da Galileia, da cidade de Nazaré, à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser ele da casa e família de David,
5. para alistar-se, acompanhado de Maria, sua noiva, que estava grávida.
6. Estando eles ali, completaram-se os dias de dar à luz,
7. e teve um filho primogênito, e o enfaixou e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.

Não era da visão prática romana exigir que os cidadãos se deslocassem a grandes distâncias, abandonando seus negócios, para ter de ir à sua cidade natal fazer recenseamento. O ensino profundo dessa narrativa do nascimento de Jesus é distinto.

Belém significa “Casa do Pão”; e David significa “Bem-Amado”. Analisemos os elementos masculino e feminino, respectivamente José e Maria, por razão e intuição, bem como o menino nascido como o “homem novo”, ou o ser renovado.

A ida da razão (José) à Casa do Alimento Espiritual (Belém), terra de seus antepassados, exprime uma rememoração de existências corpóreas anteriores, usualmente parte do planejamento encarnatório de Espíritos que já dispõem de evolução moral para acessá-las.

Estando a razão (José) e a intuição (Maria) juntos no ambiente propício, tomam contato com a divindade dentro de si (Emanuel, que significa Deus conosco, como anunciado por um Espírito a José, uma ocorrência mediúnica em desdobramento no sono, narrada em Mateus 01:23). Eles (razão e intuição) estavam sós: o despertamento da Divindade em cada um depende de uma visão para dentro de si, uma experiência entre o indivíduo e Deus, sem interferência de terceiros.

A intuição (Maria) envolve o menino em faixas, e o põe na manjedoura, lugar próprio para o alimento dos animais. Ser enfaixado corresponde à colocação do ser na matéria (a encarnação); e as ideias do homem encarnado passam pelo cérebro físico, ou cérebro animal, de onde ele se alimenta de orientações.

Seguindo adiante nos subsequentes sete versículos, temos:

8. Naquela região havia pastores que viviam nos campos e guardavam seus rebanhos durante as vigílias da noite.
9. Um anjo do Senhor apareceu-lhes e a glória do Senhor brilhou ao redor deles, e encheram-se de grande temor.
10. Disse-lhes o anjo: “não temais, pois vos trago uma boa notícia de grande alegria, que o será para todo o povo,
11. e é que hoje vos nasceu. na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor;
12. e eis para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em faixas e deitada numa manjedoura”.
13. De repente apareceu com o anjo uma multidão da milícia celeste, louvando a Deus e dizendo:
14. “Glória a Deus nas maiores alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade”.

Verifica-se, nos versículos 9 a 13, a ocorrência de uma sessão de materialização de Espíritos de alta evolução moral, designados como anjos do Senhor, anunciando a chegada de Jesus.

Analisemos os pastores que vivem na região como as células do sangue, o qual efetua toda a alimentação do corpo físico, além de guardar forte interação com o perispírito, justamente a estrutura de interface entre o Espírito e o corpo físico (conforme os ensinamentos que André Luiz recebe e transmite em sua obra “Missionários da Luz” [2], “(...) o corpo perispiritual, que dá forma aos elementos celulares, está fortemente radicado no sangue.”).

Em interpretação a respeito do significado profundo dos pastores e a notícia que receberam, nas palavras de Pastorino, “Ao sangue aparece, por meio do sistema nervoso, o ‘anúncio’ do extraordinário e divino fato. No primeiro momento, o sangue se retrai aterrorizado (a criatura empalidece), mas depois que recebe o aviso, se acalma, porque vem a saber que na Casa do Amado (na ‘cidade de David’) - o coração - nasceu o Cristo que é o Salvador, e que lá se encontra sob a forma de uma criança envolta em faixas. Realmente, o Encontro se dá na ‘célula-mônada’ que está fixa no ventrículo esquerdo do coração (exatamente no nódulo de Keith e Flack [ou nódulo sinoatrial] e feixe de Hiss). Ora, o sangue poderá dar-se conta desse nascimento, ao encontrar o ‘menino’ espiritual, envolto em faixas (envolto em matéria), cercado do intelecto (José) e da intuição (Maria), que descem ao coração, na meditação profunda, mergulhando em si mesmo. Só quando a mente desce ao coração pode encontrar o Eu Profundo, a Centelha Divina, que lá permanece em estado latente, mas que nascerá um dia.”

FIGURA “OS PASTORES COM JESUS” - Pintura de Guido Reni, gravura de H.B.Hall

Os versículos 15 a 20 contêm a seguinte narrativa:

15. Quando os anjos se haviam retirado deles para o céu, diziam os pastores uns aos outros: “vamos até Belém e vejamos o que aconteceu, o que o Senhor nos deu a conhecer”.
16. E foram a toda pressa e acharam Maria e José e a criança deitada numa manjedoura;
17. e vendo isso, divulgaram o que se lhes havia dito a respeito desse menino.
18. Todos os que o souberam admiravam-se das coisas que lhes referiam os pastores.
19. Maria, porém, guardava todas essas coisas, meditando-as em seu coração.
20. Os pastores voltaram glorificando e louvando a Deus, por tudo quanto tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado.

Findo o impacto do encontro, as células sanguíneas (os pastores) vão à Casa do Alimento Espiritual (Belém), o coração, agora despertado pela Luz Divina no homem renovado. Após ir ao coração (o estábulo), o sangue (pastores) vai ao cérebro (manjedoura) e absorve as vibrações elevadas das ideias renovadas pela Inspiração Divina. Por sua vez também renovado, o sangue vai divulgar a boa nova às demais células do corpo, que também evolui. Conforma cita Pastorino, “Em linguagem científica moderna diríamos que as vibrações das células sanguíneas, ao modificar suas próprias vibrações em contato com o coração, que se transformou pelos novos pensamentos surgidos, vai elevar as vibrações de todas as demais células, fazendo que estas se modifiquem para melhor, sintonizando com o Homem-Novo, expulsando as aflições e mazelas do corpo físico. A intuição, porém, (Maria) guarda ciosamente todas essas coisas no âmago de si mesma, e nunca jamais se esquecerá das experiências vividas, e frequentemente medita sobre elas.”

Em suma, a lição sobre o nascimento de Jesus também ensina que nossa modificação interior, nossa reforma íntima, quando razão e intuição se unem em prol do Bem, nos modifica para melhor inclusive em nível físico, como a Ciência terrestre tem confirmado por seus ramos como a Medicina Psicossomática.

Joanna de Ângelis, no livro Autodescobrimento, capítulo Doenças Psicossomáticas [3], esclarece que:
"(...) O pensamento salutar e edificante flui pela corrente sanguínea como tônus revigorante das células, passando por todas elas e mantendo-se em harmonia no ritmo das finalidades que lhes dizem respeito. O oposto também ocorre, realizando o mesmo percurso, perturbando o equilíbrio e a sua destinação.
(...) Adequando-se à saúde e à harmonia, o pensamento, a mente, o corpo, o perispírito, a matéria e as emoções receberão as cargas vibratórias benfazejas, favorecendo-se com a disposição para os empreendimentos idealistas, libertários e grandiosos, que podem ser conseguidos na Terra graças às dádivas da reencarnação. (...)"

Ano Novo! Eis aí o convite para o nascimento do Cristo em nós, com a renovação de nossos pensamentos e emoções, refletindo no próprio corpo físico...


Bons estudos!
Carla e Hendrio


A respeito desses temas, leia também, neste blog, as postagens “Muitas Moradas”, “Faixas”, “Mediunidade na Bíblia”, “Instrumento Mediúnico” e “A lembrança dos sonhos”.


Referências:

1. PASTORINO, Carlos Torres. “Sabedoria do Evangelho”. Rio de Janeiro, RJ: Sabedoria, 1964. Volume 1. “Nascimento de Jesus”, “Anjos e Pastores” e “A Visita dos Pastores”.
2. XAVIER, Francisco Cândido. “Missionários da Luz”. Pelo Espírito André Luiz. 25ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB, 1994. Capítulo 13.
3. FRANCO, Divaldo P. "Autodescobrimento". Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL. Disponível em: GEAL - Grupo de Estudos André Luiz. http://geal-ba.blogspot.com/2008/05/doenas-psicosomticas-por-joanna-de.html. Acesso em 26.12.2009.


terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Cristo nasceu? Onde? Quando?

Nossa mensagem de Natal, desejando a todos muita Paz.

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A salvação não está numa finalidade a que se convencionou denominar céu ou paraíso: está, sim, na perpétua renovação da vida para a frente e para o alto. Avançar, como disse São Paulo, de glória em glória [2 Coríntios 03:18], tal é, em síntese, o trabalho e o plano da redenção. Jesus é a força viva que, uma vez encarnada no homem, determina a sua constante transformação.
“O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e verdade, e vimos a sua glória como de unigênito do Pai. Mas a todos os que o receberam, aos que crêem em seu nome, deu ele o direito de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas sim de Deus.” [João 01:13-14]
A prerrogativa de unigênito do Pai, Jesus a torna extensiva a todos os que de boa vontade o receberem. E assim se opera o seu natalício no coração do pecador.
O menino que Maria enfaixou, deitando-o, em seguida, numa manjedoura, é a figura desse Jesus que é força, que é poder, que é vida e verdade, atuando no interior do homem.
Invoquemos, em abono de nossa asserção, o testemunho de algumas personagens que figuram na esfera cristã como astros de primeira grandeza.
Perguntemos a Paulo — onde e quando Jesus nasceu? Ele nos dirá: Foi na estrada de Damasco, quando eu, então intolerante e fanatizado por uma causa inglória, me vi envolvido na sua divina luz. Dali por diante - “já não sou eu mais quem vive, mas o Cristo é que vive em mim” [Gálatas 2:20].
*
Indaguemos de Madalena, onde e quando nasceu Jesus. Ela nos informará: Jesus nasceu em Betânia, certa vez em que sua voz, ungida de pureza e santidade, despertou em mim a sensação de uma vida nova, com a qual, até então, jamais sonhara.
*
Ouçamos o depoimento de Pedro, sobre a natividade do Senhor, e ele assim se pronunciará: Jesus nasceu no átrio do paço de Pilatos, no momento em que o galo, cantando pela terceira vez, acordou minha consciência para a verdadeira vida. Daí por diante, nunca mais vacilei diante dos potentados do século, quando me era dado defender a Justiça e proclamar a verdade, pois a força e o poder do Cristo constituíram elementos integrantes de meu próprio ser.
*
Chamemos à baila João Evangelista e peçamos nos diga o que sabe acerca do natal do Messias, e ele nos dirá: Jesus nasceu no dia em que meu entendimento, iluminado pela sua divina graça, me fez saber que Deus é amor.
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Dirijamo-nos a Zaqueu, o publicano, e eis o seu testemunho: Jesus nasceu em Jericó, numa esplêndida manhã de sol, quando eu, ansioso por conhecê-lo, subi numa árvore, à beira do caminho por onde ele passava, contentando-me com o ver de longe. Eis que ele, amorável e bom, acena-me, dizendo: Zaqueu, desce, importa que me hospede contigo. [Lucas 19:05] Naquele dia entrou a salvação no meu lar.
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Interpelemos Tomé, o incrédulo: Quando e onde nasceu o Mestre? Ele, por certo, retrucará: Jesus nasceu em Jerusalém, naquele dia memorável e inesquecível em que me foi dado testificar que a morte não tinha poder sobre o Filho de Deus. Só então compreendi o sentido de suas palavras: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” [João 14:06]
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Apelemos, finalmente, para Dimas, o bom ladrão: Onde e quando Jesus nasceu? Ele nos informará: Jesus nasceu no topo do Calvário, precisamente quando a cegueira e a maldade humanas supunham aniquilá-lo para sempre; dali ele me dirigiu um olhar repassado de piedade e de ternura, que me fez esquecer todas as misérias deste mundo e antegozar as delícias do Paraíso. Desde logo, senti-o em mim e eu nele.
*
Tal foi o testemunho do passado — tal é o testemunho do presente, dado por todos os corações que, deixando de ser quais hospedarias de Betlém, onde não havia lugar para o nascimento de Jesus, se transformaram, pela humildade, naquela manjedoura, que o amor engenhoso da mais pura e santa de todas as mães converteu no berço do Redentor do mundo.

Vinícius


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Bons estudos e Feliz Natal!
Carla e Hendrio


Referência:
VINÍCIUS, “Em torno do Mestre”. 6.ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1991. p. 192-194.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

“Mens sana in corpore sano”

Sendo o ser humano encarnado uma tríade Alma-Princípio Intermediário-Corpo, a harmonia de pensamentos, sentimentos e ações conduzirá também a uma harmonia nos centros vitais. A associação entre saúde da mente e saúde do corpo é amplamente abordada pelo Oriente há milênios, e também já era abordada na Era Clássica, como na obra abaixo, do poeta romano Juvenal, escrita entre o final do século I e início do século II da era cristã. O trecho abaixo, das linhas 356 a 364 da Décima Sátira, traz inclusive uma frase famosa a este respeito.


Em “Missionários da Luz” [1], Anacleto indica: “Assim como o corpo físico pode ingerir alimentos venenosos que lhe intoxicam os tecidos, também o organismo perispiritual pode absorver elementos de degradação que lhe corroem os centros de força, com reflexos sobre as células materiais. Se a mente da criatura encarnada ainda não atingiu a disciplina das emoções, se alimenta paixões que a desarmonizam com a realidade, pode, a qualquer momento, intoxicar-se com as emissões mentais daqueles com quem convive e que se encontrem no mesmo estado de desequilíbrio. Às vezes, semelhantes absorções constituem simples fenômenos sem maior importância; todavia, em muitos casos, são suscetíveis de ocasionar perigosos desastres orgânicos. Isto acontece, mormente quando os interessados não têm vida de oração, cuja influência benéfica pode anular inúmeros males.”

Homem Vitruviano (Leonardo da Vinci, 1490)

Na Obra “Entre a Terra e o Céu” [2], elucida Clarêncio: “Como não desconhecem, o nosso corpo de matéria rarefeita está intimamente regido por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sintonia uns com os outros, ao influxo do poder diretriz da mente, estabelecem, para nosso uso, um veículo de células elétricas, que podemos definir como sendo um campo eletromagnético, no qual o pensamento vibra em circuito fechado. Nossa posição mental determina o peso específico do nosso envoltório espiritual e, conseqüentemente, o “habitat” que lhe compete. Mero problema de padrão vibratório. Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda. Quanto mais primitiva se revela a condição da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pensamento, induzindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência embrionária ou torturada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins. O crescimento do influxo mental, no veículo eletromagnético em que nos movemos, após abandonar o corpo terrestre, está na medida da experiência adquirida e arquivada em nosso próprio espírito. Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibramos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima. Quanto mais nos avizinhamos da esfera animal, maior é a condensação obscurecente de nossa organização, e quanto mais nos elevamos, ao preço de esforço próprio, no rumo das gloriosas construções do espírito, maior é a sutileza de nosso envoltório, que passa a combinar-se facilmente com a beleza, com a harmonia e com a luz reinantes na Criação Divina. (...) Tal seja a viciação do pensamento, tal será a desarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais.”

Jacob Melo [3] recomenda: “Rearmonizar os centros de força, portanto, é reformar-se moralmente, agindo de maneira cristã em todos os momentos da vida. Mas, como isso não é comum às nossas ampliadas comodidades, a nós, falíveis espíritos devedores, nos cabe exercitar por possuí-las pelo perdão, pela fraternidade e pela compreensão, ajudando, socorrendo e, sobretudo, orando por nosso próximo. Dessa forma vibraremos em ondas de mais elevado teor moral, fazendo valer nosso centro coronário como captador das boas energias espirituais para distribuir o equilíbrio devido aos demais centros, assim espiritualizando nossa matéria (...)”


Leia também, neste blog, as postagens “O Corpo Físico”, “Vigiai e Orai”, “Inteligência e Instinto”, “Doenças”, “Amar os inimigos” e “Sintonia espiritual”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências

1. XAVIER, Francisco Cândido. “Missionários da Luz”. 24ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB, 1993. Cap. 19.
2. XAVIER, Francisco Cândido. “Entre a Terra e o Céu”. 17ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB, 1997. Cap. 20.
3. MELO, Jacob. “O Passe: Seu Estudo, Suas Técnicas, Sua Prática”. 17ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 2006. Cap. 4, item 3.5.

sábado, 12 de dezembro de 2009

A Inteligência

Kardec, em comentário à questão 71 de “O Livro dos Espíritos”[1], define: “A inteligência é uma faculdade especial, peculiar a algumas classes de seres orgânicos e que lhes dá, com o pensamento, a vontade de atuar, a consciência de que existem e de que constituem uma individualidade cada um, assim como os meios de estabelecerem relações com o mundo exterior e de proverem às suas necessidades.”

A Ciência, na década de 1990, na pessoa do psicólogo Howard Gardner [2], definiu inteligência como "um potencial biopsicológico para processar informações que pode ser ativado num cenário cultural para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura". Ele modela 8 tipos de inteligências, a saber:

  • Lógico-matemática — abrange a capacidade de analisar problemas, operações matemáticas e questões científicas. Medida por testes de QI, é mais desenvolvida em matemáticos, engenheiros e cientistas, por exemplo;
  • Linguística — caracteriza-se pela maior sensibilidade para a língua falada e escrita. Também medida por testes de QI, é predominante em oradores, escritor e poetas;
  • Espacial — expressa-se pela capacidade de compreender o mundo visual de modo minucioso. É mais desenvolvida em arquitetos, desenhistas e escultores;
  • Musical — expressa-se através da habilidade para tocar, compor e apreciar padrões musicais, sendo mais forte em músicos, compositores e dançarinos. Beethoven se enquadra nessa inteligência;
  • Físico-cinestésica (ou Corporal) — traduz-se na maior capacidade de utilizar o corpo para a dança e os esportes. É mais desenvolvida em mímicos, dançarinos e esportistas, por exemplo;
  • Intrapessoal — expressa na capacidade de se conhecer, estando mais desenvolvida em escritores, psicoterapeutas e conselheiros;
  • Interpessoal — é uma habilidade de entender as intenções, motivações e desejos dos outros. Encontra-se mais desenvolvida em políticos, religiosos e professores;
  • Naturalista — traduz-se na sensibilidade para compreender e organizar os fenômenos e padrões da natureza. É característica de paisagistas, arquitetos e mateiros, por exemplo. Charles Darwin se encaixa nesta inteligência.

Há debates a respeito de uma nona inteligência, qual seja, a Inteligência Existencial ou Espiritual [3] — capacidade de refletir sobre questões fundamentais da existência, aguçada em vários segmentos diferentes da sociedade. O neuropsicólogo Robert A. Emmons defende, com cerrada argumentação, que a inteligência tem uma faceta espiritual, que pode e obedece a todos os critérios indicados por Gardner para ser assumida no espectro das inteligências múltiplas.

A benfeitora Joanna de Ângelis [4], analisando o tema, destaca que a inteligência, dissociada do sentimento, atormenta o homem e o transforma em vítima da própria irresponsabilidade. “É que a chama do intelecto não prescinde do óleo do coração, para arder com a potência necessária à produção de luz e calor, suficientes para manterem o lume de felicidade”. Elucida que o roteiro seguro já foi definido por Jesus quando nos diz: “fazei a outrem o que desejardes que outrem vos faça, exaltando o amor ao lado das conquistas valiosas da inteligência”.


A respeito desse tema, leia também, neste blog, a postagem “Inteligência e Instinto”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências

1. KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1987.
2. Inteligências múltiplas. Wikipédia. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_das_m%C3%BAltiplas_intelig%C3%AAncias. Acesso em 19.04.2009.
3. SILVA, Leonice M. Kaminski da. “Existe uma inteligência existencial/espiritual? O debate entre H. Gardner e R. A . Emmons” Revista de Estudos da Religião, 2001.
4. FRANCO, Divaldo P. “Dimensões da Verdade”. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 3ª ed. Salvador: BA, Livraria Espírita Alvorada, 1989, p. 184-185.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Por que Deus criou a nós e o Universo?

Certo dia, em um grupo de estudos, foi-nos solicitado desenvolver este tema, cujo nível evolutivo intelectual e moral em que ora nos encontramos não nos permite responder de forma abrangente e precisa. Não obstante, buscamos, nas obras da Codificação Espírita, citações que nos permitissem compreender ao menos um pouco melhor o tema. Abaixo citamos as conclusões a que chegamos:
  1. Por sermos criaturas ainda imperfeitas, apenas um pequeno elo da criação, não temos ainda condição de penetrar o ponto de vista do Criador para entender plenamente Seus motivos;
  2. O que hoje entendemos como o motivo principal para a Criação é o Amor;
  3. O Amor é dinâmico, não estático, não pode ser uma energia “estagnada”. Daí a consequência de constantes criações e transformações, com vistas ao progresso. O próprio Universo, segundo alguns cientistas estão concluindo recentemente, já sofreu infinitas “reencarnações”, ou vários ciclos de “big bang” e “big crunch”, segundo o modelo cíclico da formação do Universo (neste link da Wikipédia, bem como na postagem “O Universo Cíclico”, neste blog, apresentação do modelo em linhas gerais);
  4. A finalidade da nossa criação é sermos felizes. Não é o “por que”, mas o “para que”, pergunta à qual nos parece estamos mais ao alcance de responder.
A seguir, apresentamos as citações das Obras Básicas da Codificação Espírita, de autoria de Allan Kardec, as quais subsidiaram nossas ilações. Estimulemo-nos sempre ao estudo e aprofundamento de nossos entendimentos, com vistas a melhor servirmos ao propósito da Criação.


Questões de “O Livro dos Espíritos”:
  • 11. Será dado um dia ao homem compreender o mistério da Divindade? “Quando não mais tiver o espírito obscurecido pela matéria. Quando, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, ele o verá e compreenderá.”
  • 38. Como criou Deus o Universo? “Para me servir de uma expressão corrente, direi: pela sua Vontade. Nada caracteriza melhor essa vontade onipotente do que estas belas palavras da Gênese — “Deus disse: Faça-se a luz e a luz foi feita.”
  • 78. Os Espíritos tiveram princípio, ou existem, como Deus, de toda a eternidade? “Se não tivessem tido princípio, seriam iguais a Deus, quando, ao invés, são criação sua e se acham submetidos à sua vontade. Deus existe de toda a eternidade, é incontestável. Quanto, porém, ao modo por que nos criou e em que momento o fez, nada sabemos. Podes dizer que não tivemos princípio, se quiseres com isso significar que, sendo eterno, Deus há de ter sempre criado ininterruptamente. Mas, quando e como cada um de nós foi feito, repito-te, nenhum o sabe: aí é que está o mistério.”
  • 81. Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros? “Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade. Mas, repito ainda uma vez, a origem deles é mistério.”
  • 119. Não podia Deus isentar os Espíritos das provas que lhes cumpre sofrer para chegarem à primeira ordem? “Se Deus os houvesse criado perfeitos, nenhum mérito teriam para gozar dos benefícios dessa perfeição. Onde estaria o merecimento sem a luta? Demais, a desigualdade entre eles existente é necessária às suas personalidades. Acresce ainda que as missões que desempenham nos diferentes graus da escala estão nos desígnios da Providência, para a harmonia do Universo.”
  • 130. Sendo errônea a opinião dos que admitem a existência de seres criados perfeitos e superiores a todas as outras criaturas, como se explica que essa crença esteja na tradição de quase todos os povos? “Fica sabendo que o mundo onde te achas não existe de toda a eternidade e que, muito tempo antes que ele existisse, já havia Espíritos que tinham atingido o grau supremo. Acreditaram os homens que eles eram assim desde todos os tempos.”
  • 604. Pois que os animais, mesmo os aperfeiçoados, existentes nos mundos superiores, são sempre inferiores ao homem, segue-se que Deus criou seres intelectuais perpetuamente destinados à inferioridade, o que parece em desacordo com a unidade de vistas e de progresso que todas as suas obras revelam. “Tudo em a Natureza se encadeia por elos que ainda não podeis apreender. Assim, as coisas aparentemente mais díspares têm pontos de contacto que o homem, no seu estado atual, nunca chegará a compreender. Por um esforço da inteligência poderá entrevê-los; mas, somente quando essa inteligência estiver no máximo grau de desenvolvimento e liberta dos preconceitos do orgulho e da ignorância, logrará ver claro na obra de Deus. Até lá, suas muito restritas ideias lhe farão observar as coisas por um mesquinho e acanhado prisma. Sabei não ser possível que Deus se contradiga e que, na Natureza, tudo se harmoniza mediante leis gerais, que por nenhum de seus pontos deixam de corresponder à sublime sabedoria do Criador.”
  • Trechos das respostas às questões 607 a) e b). “Sentir-se-ão humilhados os grandes gênios por terem sido fetos informes nas entranhas que os geraram? Se alguma coisa há que lhe seja humilhante, é a sua inferioridade perante Deus e sua impotência para lhe sondar a profundeza dos desígnios e para apreciar a sabedoria das leis que regem a harmonia do Universo. Reconhecei a grandeza de Deus nessa admirável harmonia, mediante a qual tudo é solidário na Natureza. Acreditar que Deus haja feito, seja o que for, sem um fim, e criado seres inteligentes sem futuro, fora blasfemar da sua bondade, que se estende por sobre todas as suas criaturas.”
    “A Terra não é o ponto de partida da primeira encarnação humana. O período da humanização começa, geralmente, em mundos ainda inferiores à Terra. Isto, entretanto, não constitui regra absoluta, pois pode suceder que um Espírito, desde o seu início humano, esteja apto a viver na Terra. Não é frequente o caso; constitui antes uma exceção.”
  • 634. Por que está o mal na natureza das coisas? Falo do mal moral. Não podia Deus ter criado a Humanidade em melhores condições? “Já te dissemos: os Espíritos foram criados simples e ignorantes. Deus deixa que o homem escolha o caminho. Tanto pior para ele, se toma o caminho mau: mais longa será sua peregrinação. Se não existissem montanhas, não compreenderia o homem que se pode subir e descer; se não existissem rochas, não compreenderia que há corpos duros. É preciso que o Espírito ganhe experiência; é preciso, portanto, que conheça o bem e o mal. Eis por que se une ao corpo.”
  • 804. Por que não outorgou Deus as mesmas aptidões a todos os homens? “Deus criou iguais todos os Espíritos, mas cada um destes vive há mais ou menos tempo, e, conseguintemente, tem feito maior ou menor soma de aquisições. A diferença entre eles está na diversidade dos graus da experiência alcançada e da vontade com que obram, vontade que é o livre-arbítrio. Daí o se aperfeiçoarem uns mais rapidamente do que outros, o que lhes dá aptidões diversas. Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência, no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais. O que um não faz, fá-lo outro. Assim é que cada qual tem seu papel útil a desempenhar. Demais, sendo solidários entre si todos os mundos, necessário se torna que os habitantes dos mundos superiores, que, na sua maioria, foram criados antes do vosso, venham habitá-lo, para vos dar o exemplo.”


“O Evangelho Segundo o Espiritismo”:
  • Cap. III, item 19: “O progresso é lei da Natureza. A essa lei todos os seres da Criação, animados e inanimados, foram submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere. A própria destruição, que aos homens parece o termo final de todas as coisas, é apenas um meio de se chegar, pela transformação, a um estado mais perfeito, visto que tudo morre para renascer e nada sofre o aniquilamento.”
  • Cap. XI, item 13: “Deus nos criou para sermos felizes na eternidade (...)”
  • Cap. XIII, item 12: “A caridade é, em todos os mundos, a eterna âncora de salvação; é a mais pura emanação do próprio Criador; é a sua própria virtude, dada por ele à criatura.”


“O Céu e o Inferno”:
  • 1ª Parte, Cap. III, item 12: “A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não consiste na ociosidade contemplativa, que seria, como temos dito muitas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual em todos os seus graus é, ao contrário, uma constante atividade, mas atividade isenta de fadigas. A suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da Criação, que nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas, na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação íntima, numa serenidade dalma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, por causa da ausência de atrito pelo contacto dos maus, e, acima de tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz felizes. Os puros Espíritos são os Messias ou mensageiros de Deus pela transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do Universo, tarefa gloriosa a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são diretos representantes.”
  • 1ª Parte, Cap. III, item 18: “Mas, dir-se-á, por que Deus não lhes revelou de princípio toda a verdade? Pela mesma razão por que senão ensina à infância o que se ensina aos de idade madura. A revelação limitada foi suficiente a certo período da Humanidade, e Deus a proporciona gradativamente ao progresso e às forças do Espírito. Os que recebem hoje uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que tiveram dela uma partícula em outros tempos e que de então por diante se engrandeceram em inteligência. Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da Natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Antes de a Geologia comprovar a formação da Terra, poderiam os homens tirar-lhe o inferno das entranhas e compreender o sentido alegórico dos seis dias da Criação? Antes de a Astronomia descobrir as leis que regem o Universo, poderiam compreender que não há alto nem baixo no Espaço, que o céu não está acima das nuvens nem limitado pelas estrelas? Poderiam identificar-se com a vida espiritual antes dos progressos da ciência psicológica? conceber depois da morte uma vida feliz ou desgraçada, a não ser em lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos que pelo pensamento, o Universo era muito vasto para a sua concepção; era preciso restringi-lo ao seu ponto de vista para alargá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade, e, embora sábia até então, não satisfaria hoje. O absurdo provém dos que pretendem poder governar os homens de pensamento, sem se darem conta do progresso das ideias, quais se fossem crianças.”
  • 1ª Parte, Cap. VI, item 16: “Deus criou as almas para fazê-las felizes ou desgraçadas? Evidentemente a felicidade da criatura deve ser o fito do Criador, ou Ele não seria bom. Ela atinge a felicidade pelo próprio mérito, que, adquirido, não mais o perde. O contrário seria a sua degeneração. A felicidade eterna é, pois, a consequência da sua imortalidade. (...) Sendo o bem o fim supremo da Criação, a felicidade, que é o seu prêmio, deve ser eterna; e o castigo, como meio de alcançá-la, temporário. A noção mais comezinha da justiça humana prescreve que se não pode castigar perpetuamente quem se mostra desejoso de praticar o bem.”
  • 1ª Parte, Cap. VII, item 32: “Deus, diz-se, não daria prova maior de amor às suas criaturas, criando-as infalíveis e, por conseguinte, isentas dos vícios inerentes à imperfeição? Para tanto fora preciso que Ele criasse seres perfeitos, nada mais tendo a adquirir, quer em conhecimentos, quer em moralidade. Certo, porém, Deus poderia fazê-lo, e se o não fez é que em sua sabedoria quis que o progresso constituísse lei geral. Os homens são imperfeitos, e, como tais, sujeitos a vicissitudes mais ou menos penosas. E pois que o fato existe, devemos aceitá-lo. Inferir dele que Deus não é bom nem justo, fora insensata revolta contra a lei.”
  • 1ª Parte, Cap. VIII, item 15: “Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras. E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador.”

Nebulosa da Águia (fonte: http://apod.nasa.gov/apod/ap050425.html)


“A Gênese”:
  • Cap III, item 3: “O homem, cujas faculdades são restritas, não pode penetrar, nem abarcar o conjunto dos desígnios do Criador; aprecia as coisas do ponto de vista da sua personalidade, dos interesses factícios e convencionais que criou para si mesmo e que não se compreendem na ordem da Natureza. Por isso é que, muitas vezes, se lhe afigura mau e injusto aquilo que consideraria justo e admirável, se lhe conhecesse a causa, o objetivo, o resultado definitivo. Pesquisando a razão de ser e a utilidade de cada coisa, verificará que tudo traz o sinete da sabedoria infinita e se dobrará a essa sabedoria, mesmo com relação ao que lhe não seja compreensível.”
  • Cap. VI, item 13: “Se bem compreendemos a relação, ou, antes, a oposição entre a eternidade e o tempo, se nos familiarizamos com a ideia de que o tempo não é mais do que uma medida relativa da sucessão das coisas transitórias, ao passo que a eternidade é essencialmente una, imóvel e permanente, insuscetível de qualquer medida, do ponto de vista da duração, compreenderemos que para ela não há começo, nem fim. Doutro lado, se fazemos ideia exata — embora, necessariamente, muito fraca — da infinidade do poder divino, compreenderemos como é possível que o Universo haja existido sempre e sempre exista. Desde que Deus existiu, suas perfeições eternas falaram. Antes que houvessem nascido os tempos, a eternidade incomensurável recebeu a palavra divina e fecundou o espaço, eterno quanto ela.”
  • Cap. VII, item 32: “O orgulho levou o homem a dizer que todos os animais foram criados por sua causa e para satisfação de suas necessidades. Mas, qual o número dos que lhe servem diretamente, dos que lhe foi possível submeter, comparado ao número incalculável daqueles com os quais nunca teve ele, nem nunca terá, quaisquer relações? Como se pode sustentar semelhante tese, em face das inumeráveis espécies que exclusivamente povoaram a Terra por milhares e milhares de séculos, antes que ele aí surgisse, e que afinal desapareceram? Poder-se-á afirmar que elas foram criadas em seu proveito? Entretanto, tinham todas a sua razão de ser, a sua utilidade. Deus, decerto, não as criou por simples capricho da sua vontade, para dar a si mesmo, em seguida, o prazer de as aniquilar, pois que todas tinham vida, instintos, sensação de dor e de bem-estar. Com que fim ele o fez? Com um fim que há de ter sido soberanamente sábio, embora ainda o não compreendamos. Certamente, um dia será dado ao homem conhecê-lo, para confusão do seu orgulho; mas, enquanto isso não se verifica, como se lhe ampliam as ideias ante os novos horizontes em que lhe é permitido, agora, mergulhar a vista, em presença do imponente espetáculo dessa criação, tão majestosa no seu lento caminhar, tão admirável na sua previdência, tão pontual, tão precisa e tão invariável nos seus resultados!”
  • Cap. IX, item 7: “Admitido o ser espiritual e não podendo ele proceder da matéria, qual a sua origem, seu ponto de partida? Aqui, falecem absolutamente os meios de investigação, como para tudo o que diz respeito à origem das coisas. O homem apenas pode comprovar o que existe; acerca de tudo o mais, apenas lhe é dado formular hipóteses e, quer porque esse conhecimento esteja fora do alcance da sua inteligência atual, quer porque lhe seja inútil ou prejudicial presentemente, Deus não lho outorga, nem mesmo pela revelação. O que Deus permite que seus mensageiros lhe digam e o que, aliás, o próprio homem pode deduzir do princípio da soberana justiça, atributo essencial da Divindade, é que todos procedem do mesmo ponto de partida; que todos são criados simples e ignorantes, com igual aptidão para progredir pelas suas atividades individuais; que todos atingirão o grau máximo da perfeição com seus esforços pessoais; que todos, sendo filhos do mesmo Pai, são objeto de igual solicitude; que nenhum há mais favorecido ou melhor dotado do que os outros, nem dispensado do trabalho imposto aos demais para atingirem a meta.”
  • Cap. IX, item 8: “Ao mesmo tempo que criou, desde toda a eternidade, mundos materiais, Deus há criado, desde toda a eternidade, seres espirituais. Se assim não fora, os mundos materiais careceriam de finalidade. Mais fácil seria conceberem-se os seres espirituais sem os mundos materiais, do que estes últimos sem aqueles. Os mundos materiais é que teriam de fornecer aos seres espirituais elementos de atividade para o desenvolvimento de suas inteligências. ”


Leia também, neste blog, as postagens “Crer para ver”, “O Universo Cíclico”, “Expiação, Prova e Missão”, “Simples e Ignorantes (1)”, “Simples e Ignorantes (2)”, “Muitas Moradas” e “Espíritos missionários”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O fariseu e o publicano

"Propôs também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros:
Dois homens subiram ao templo com o propósito de orar: um, fariseu, e o outro, publicano.
O fariseu, posto em pé, orava de si para si mesmo, desta forma: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano;
jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho.
O publicano, estando em pé, longe, não ousava nem ainda levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, sê propício a mim, pecador!
Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado."


Jesus, registrado no Evangelho de Lucas, capítulo 18, versículos 9 a 14.

Os fariseus, conforme pode ser melhor estudado na Introdução de "O Evangelho Segundo o Espiritismo" [1], eram "servis cumpridores das práticas exteriores do culto e das cerimônias (...). Da virtude nada possuíam, além das exterioridades e da ostentação; entretanto, por umas e outras, exerciam grande influência sobre o povo, a cujos olhos passavam por santas criaturas."

Da mesma fonte, colhe-se a explanação sobre os publicanos, que eram, "na antiga Roma, os cavalheiros arrendatários das taxas públicas, incumbidos da cobrança dos impostos e das rendas de toda espécie, quer em Roma mesma, quer nas outras partes do Império." Como os judeus abominavam o pagamento do imposto, estenderam sua aversão a todos aqueles que tinham essa função, desprezando igualmente a todos os que com eles mantinham relações.

Figura “O FARISEU E O COBRADOR DE IMPOSTOS”
Desenho de Bida, gravura de Bracquemond


Carlos Torres Pastorino [2], comentando essa passagem, esclarece que: "Ao observarmos as seitas ortodoxas ou não, os ambientes espiritualistas e religiosos, verificamos que a maioria absoluta faz questão das aparências externas, crente de que nisso consiste a virtude.

Analisando etimologicamente a palavra “virtude”, vemos que é derivada do latim VIRTUS que, por sua vez, deriva de VIR (homem, varão, o elemento forte). E VIR é proveniente de VIS, a força", da raiz VI, que também dá viril, violência etc. Então, "virtude é a qualidade de quem tem força", sobretudo moral.

Analisando a virtude do ponto de vista evolutivo, verificamos que, enquanto a criatura tem que "fazer força" para evitar o erro, o desvio do caminho certo, isso demonstra que ainda não evoluiu. Por exemplo: "não roubar" consiste em não tirar materialmente o que nos não pertence, embora se morra de vontade de fazê-lo; "castidade" é não ter contato físico corporal, ainda que os desejos mentais e emocionais sejam incontrolados; "ser religioso" é frequentar, em dias prefixados, a casa de oração com o corpo, mesmo que a mente permaneça distante e, ao sair de lá, as ações demonstrem que não somos nada religiosos. E assim por diante. A criatura que assim age, se julga "virtuosa", porque "faz força" para adquirir bons hábitos e, geralmente, consegue praticá-los com sacrifício.

Fazer força para melhorar não é um mal. Absolutamente. Constitui antes um grande benefício para o próprio, pois é esse exercício constante de vencer as inclinações erradas, que nos vão acostumando a não gostar delas. Assim, depois de várias encarnações que vivemos a fazer esforços continuados de virtude, acabamos acostumando-nos e forma-se então o hábito. Esse hábito plasma, no subconsciente, o instinto. Uma vez formado este, e quando agimos certo naturalmente, sem esforço e sem sequer pensar nisso, então teremos dado um passo evolutivo à frente.

Deixaremos de ser "virtuosos", para sermos "naturais" ou espontâneos, já que o hábito bom se tornou parte integrante de nossa natureza íntima.

Portanto, o esforço despendido para ser "virtuosos" (forte moral e espiritualmente) é exercício de suma vantagem no caminho evolutivo.

O erro da criatura reside em julgar que, por estar combatendo em si as más inclinações, já é evoluída, acreditando-se, por isso, superior aos outros e desprezando-os, e até mesmo evitando-lhes a companhia "para não se misturar" e não ser confundido com eles. O que também pode constituir uma "defesa" para quem não está muito seguro consigo mesmo.

Mesmo inconscientemente, a criatura "virtuosa" se compara aos outros, chegando à conclusão de que "já é diferente" e, por esse motivo agradece a Deus; ao passo que a criatura evoluída não se compara a ninguém, porque não se vê perfeita, nem repara nos outros, porque não tem tempo para isso.

Ora, a vibração da vaidade presunçosa é pior que o próprio erro em si. Porque a vaidade é a vibração oposta à humildade divina. (...) Por isso, o cobrador de impostos, ao pedir misericórdia para seus erros, saiu do templo justificado, porque sintonizado com a humildade."

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Essa passagem evangélica também nos ensina que a prece deve ser feita com humildade, conforme o Codificador recomenda, no item 4 do capítulo XXVII de “O Evangelho Segundo o Espiritismo: “Orai, enfim, com humildade, como o publicano, e não com orgulho, como o fariseu. Examinai os vossos defeitos, não as vossas qualidades e, se vos comparardes aos outros, procurai o que há em vós de mau.”

Além disso, essa passagem nos ensina que não são necessárias muitas palavras, mas que o mais importante é o sentimento. O Espírito V. Monod, no item 22 do capítulo XXVII de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, corrobora: “Tende como certo que um só desses pensamentos, se partir do coração, é mais ouvido pelo vosso Pai celestial do que as longas orações ditas por hábito, muitas vezes sem causa determinante e às quais apenas maquinalmente vos chama a hora convencional."


Bons Estudos!
Carla e Hendrio

Veja também, sobre esse assunto, as postagens A Prece e Egos virtuosos e eus sapientes.

Referências:

1. KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 2ª ed. de bolso. Rio de Janeiro: RJ, FEB: 1999.
2. PASTORINO, C. T. "Sabedoria do Evangelho". Rio de Janeiro, RJ: Sabedoria, 1964, volume 6. "A Vaidade".