quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tranquilidade no Retorno à Pátria Espiritual

Somos Espíritos animando, temporariamente, corpos de matéria densa. Nosso corpo físico é instrumento importante para, vivendo na Terra, praticarmos o Bem a quem quer que seja e aprendermos importantes lições para nossa evolução moral e intelectual. Contudo, não somos nosso corpo, como nosso corpo físico não é a roupa que vestimos.

Todos nós, um dia, teremos de deixar esse equipamento de matéria densa, por ocasião da morte do corpo físico. Quanto mais cientes, no raciocínio e no sentimento, de que não somos nosso corpo, mas sim Espíritos imortais; e, principalmente, quanto mais tivermos praticado o Bem ao próximo — também aprendendo, por esse bom hábito, que as pessoas importam mais que as coisas —, mais breve e tranquilo será nosso período de adaptação à vida em ambiente de matéria quintessenciada. E essa prática do Bem independe do credo que se professe, desde que essa crença tenha por princípio a caridade, ou seja, o amor ao próximo na prática, sem impor condições e sem esperar nada em troca.

Foto: Carla Engel

Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, denominou esse período de adaptação, entre a saída da encarnação e o retorno à vida no mundo espiritual, de perturbação. O tema está abordado nas questões 163 a 165 de “O Livro dos Espíritos”. Kardec indaga os Espíritos da Falange do Consolador sobre se o conhecimento do Espiritismo auxilia nesta etapa de adaptação, obtendo as seguintes orientações:
O conhecimento do Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração, mais ou menos longa, da perturbação?
“Influência muito grande, por isso que o Espírito já antecipadamente compreendia a sua situação. Mas, a prática do bem e a consciência pura são o que maior influência exercem.” [1]
Considerando que o período de perturbação espiritual guarda estreita relação com o grau de adiantamento do Espírito (“O Livro dos Espíritos”, questão 164), pode-se evidenciar que a prática do Bem, ou seja, da caridade, é ainda mais importante que o saber apenas intelectual. Observemos a situação dos Espíritos Benévolos (quinta classe, item 108 de “O Livro dos Espíritos”, na Escala Espírita, proposta pelo Codificador, entre os itens 100 e 113 de “O Livro dos Espíritos”). Esses Espíritos, classificados como de segunda ordem, ou seja, Espíritos Bons, apresentam como característica o maior desenvolvimento moral do que o intelectual.

Como exemplo, podemos citar o desligamento da personagem Adelaide, narrado por André Luiz no livro “Obreiros da Vida Eterna” [2], que demonstra o quanto a prática da caridade pode auxiliar neste momento:
“Felizmente, porém, nossa querida Adelaide não dará trabalho. O ministério mediúnico, o serviço incessante em benefício dos enfermos, o amparo materno aos órfãos nesta casa de paz, aliados aos profundos desgostos e duras pedradas que constituem abençoado ônus das missões do bem, prepararam-lhe a alma para esta hora...
(...)
– Aliás, cumpre-nos destacar as condições excepcionais em que partirá nossa amiga. Em tais circunstâncias, apenas lastimo aqueles que se agarram em demasia aos caprichos carnais. Para esses, sim, a situação não é agradável, porquanto o semeador de espinhos não pode aguardar colheita de flores. Os que se consagram à preparação do futuro com a vida eterna, através de manifestações de espiritualidade superior, instintivamente aprendem todos os dias a morrer para a existência inferior.”
A Doutrina Espírita propõe desmistificar a morte do corpo físico, demonstrando que já passamos por essa experiência muitas vezes; e, periodicamente, por misericórdia de Deus, recebemos oportunidades de retornar à Terra para apreender lições e auxiliar o próximo, até completarmos nosso aprendizado neste planeta e seguirmos nossa caminhada evolutiva em mundos mais avançados. Contudo, o Espiritismo não professa que só quem for espírita “será salvo”, ou seja, evoluirá.

Na Revista Espírita de outubro de 1866, no item denominado “Os Tempos São Chegados” (comentado na postagem “Amar o Próximo”, neste blog); bem como em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Capítulo XV (“Fora da Caridade não Há Salvação”), demonstra-se o entendimento da Doutrina Espírita a esse respeito. Kardec ressalta o caráter progressivo do Espiritismo (abordado na postagem “Hermenêutica, Exegese e Espiritismo”, neste blog), como o é a Ciência terrena. É preciso sejamos humildes e conscientes de não possuir o entendimento completo da verdade, da qual somente Deus é pleno possuidor. Devemos sempre buscar aprender e compreender melhor a vida e o Universo. Reproduzimos trecho do capítulo citado de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”:
“A máxima — Fora da caridade não há salvação consagra o princípio da igualdade perante Deus e da liberdade de consciência. Tendo-a por norma, todos os homens são irmãos e, qualquer que seja a maneira por que adorem o Criador, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros.
(...)
O Espiritismo, de acordo com o Evangelho, admitindo a salvação para todos, independente de qualquer crença, contanto que a lei de Deus seja observada, não diz: Fora do Espiritismo não há salvação; e, como não pretende ensinar ainda toda a verdade, também não diz: Fora da verdade não há salvação, pois que esta máxima separaria em lugar de unir e perpetuaria os antagonismos.” [3]
O Codificador, questionando objetivamente os Espíritos Superiores acerca deste tema, foi assim esclarecido:
Será necessário que professemos o Espiritismo e creiamos nas manifestações espíritas, para termos assegurada a nossa sorte na vida futura?
“Se assim fosse, seguir-se-ia que estariam deserdados todos os que não creem, ou que não tiveram ensejo de esclarecer-se, o que seria absurdo. Só o bem assegura a sorte futura. Ora, o bem é sempre o bem, qualquer que seja o caminho que a ele conduza.” [4]
Concluímos com o comentário de Kardec sobre a questão acima mencionada, ressaltando a liberdade de consciência e foco no Bem, professados pela Doutrina Espírita.
“A crença no Espiritismo ajuda o homem a se melhorar, firmando-lhe as ideias sobre certos pontos do futuro. Apressa o adiantamento dos indivíduos e das massas, porque faculta nos inteiremos do que seremos um dia. É um ponto de apoio, uma luz que nos guia. O Espiritismo ensina o homem a suportar as provas com paciência e resignação; afasta-o dos atos que possam retardar-lhe a felicidade, mas ninguém diz que, sem ele, não possa ela ser conseguida.”


Leia também, neste blog, as postagens “Família Espiritual”, “O Corpo Físico”, “Amar o Próximo”, “A Influência de ‘Maus’ Espíritos”, “Hermenêutica, Exegese e Espiritismo”, “Considerações sobre a pluralidade das existências”, “O amor cobre uma multidão de pecados” e “Penas ‘Eternas’”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:

[1] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 165.
[2] XAVIER, Francisco Cândido. “Obreiros da Vida Eterna”. Pelo Espírito André Luiz. 23ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1998. Capítulos 11 e 19.
[3] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Capítulo XV, itens 8 e 9.
[4] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 982.



quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pressentimentos

Pressentimento, conforme definição léxica, é um “sentimento intuitivo e alheio a uma causa conhecida, que permite a previsão de acontecimentos futuros; intuição, palpite, presságio” [1].

Como se pode compreender a existência de um pressentimento, de uma ideia acerca do futuro apresentada por outro Espírito? Allan Kardec, o Codificador da Doutrina Espírita, propôs, na obra “A Gênese” [2], uma analogia para a compreensão desse mecanismo, bem como da responsabilidade de um Espírito ao buscar levar, a outro ser, parte do conhecimento sobre eventos ainda não ocorridos:

“Suponhamos um homem colocado no cume de uma alta montanha, a observar a vasta extensão da planície em derredor. Nessa situação, o espaço de uma légua pouca coisa será para ele, que poderá facilmente apanhar, de um golpe de vista, todos os acidentes do terreno, de um extremo a outro da estrada que lhe esteja diante dos olhos. (...) Suponhamos que esse homem desce do seu ponto de observação e, indo ao encontro do viajante, lhe diz: ‘Em tal momento, encontrarás tal coisa, serás atacado e socorrido’. Estará predizendo o futuro, mas, futuro para o viajante, não para ele, autor da previsão, pois que, para ele, esse futuro é presente.
(...)
Os Espíritos desmaterializados são como o homem da montanha; o espaço e a duração não existem para eles. Mas, a extensão e a penetração da vista são proporcionadas à depuração deles e à elevação que alcançaram na hierarquia espiritual.
(...)
Bem se compreende, pois, que, de conformidade com o grau de sua perfeição, possa um Espírito abarcar um período de alguns anos, de alguns séculos, mesmo de muitos milhares de anos, porquanto, que é um século em face do infinito? Diante dele, os acontecimentos não se desenrolam sucessivamente, como os incidentes da estrada diante do viajor: ele vê simultaneamente o começo e o fim do período; todos os eventos que, nesse período, constituem o futuro para o homem da Terra são o presente para ele, que poderia então vir dizer-nos com certeza: Tal coisa acontecerá em tal época, porque essa coisa ele a vê como o homem da montanha vê o que espera o viajante no curso da viagem. Se assim não procede, é porque poderia ser prejudicial ao homem o conhecimento do futuro, conhecimento que lhe pearia o livre-arbítrio, paralisá-lo-ia no trabalho que lhe cumpre executar a bem do seu progresso. O se lhe conservarem desconhecidos o bem e o mal com que topará constitui para o homem uma prova.
(...)
Entretanto, como o homem tem de concorrer para o progresso geral, como certos acontecimentos devem resultar da sua cooperação, pode convir que, em casos especiais, ele pressinta esses acontecimentos, a fim de lhes preparar o encaminhamento e de estar pronto a agir, em chegando a ocasião. Por isso é que Deus, às vezes, permite se levante uma ponta do véu; mas, sempre com fim útil, nunca para satisfação de vã curiosidade. Tal missão pode, pois, ser conferida, não a todos os Espíritos, porquanto muitos há que do futuro não conhecem mais do que os homens, porém a alguns Espíritos bastante adiantados para desempenhá-la.” [2]

Foto: Hendrio Belfort

A título de curiosidade sobre a expressão “levantar uma ponta do véu”, utilizada acima: a palavra grega utilizada para revelação é apokalypsis (ἀποκάλυψις), a qual significa, literalmente, revelar, retirar o véu [3]. Nota-se, portanto, que o termo que dá origem à palavra apocalipse não tem qualquer relação com catástrofes ou fim do mundo, frequentemente associados ao verbete em português. Na Bíblia em inglês, o livro do Apocalipse se chama Revelação.

Os Espíritos Superiores, em resposta à questão 522 de “O Livro dos Espíritos” [4], explicam que o pressentimento tanto pode ser o conselho íntimo e oculto de um Espírito que nos quer bem, como a intuição de uma etapa do plano reencarnatório, quando esta fase está próxima de ocorrer (voz do instinto). Ou seja, existem pressentimentos advindos de um processo mediúnico (por influência de uma inteligência externa) e outros de processo anímico (pela própria alma de quem pressente). Busquemos focar em pressentimentos na qualidade de percepções, inspiradas ou deduzidas, com vistas ao Bem. Kardec esclarece, a respeito dos pressentimentos provenientes de outros Espíritos, nos seguintes termos:

“A inspiração nos vem dos Espíritos que nos influenciam para o bem, ou para o mal, porém, procede, principalmente, dos que querem o nosso bem e cujos conselhos muito amiúde cometemos o erro de não seguir. Ela se aplica, em todas as circunstâncias da vida, às resoluções que devamos tomar. Sob esse aspecto, pode dizer-se que todos são médiuns, porquanto não há quem não tenha seus Espíritos protetores e familiares, a se esforçarem por sugerir aos protegidos salutares ideias. Se todos estivessem bem compenetrados desta verdade, ninguém deixaria de recorrer com frequência à inspiração do seu anjo de guarda, nos momentos em que se não sabe o que dizer, ou fazer. Que cada um, pois, o invoque com fervor e confiança, em caso de necessidade, e muito frequentemente se admirará das ideias que lhe surgem como por encanto, quer se trate de uma resolução a tomar, quer de alguma coisa a compor. Se nenhuma ideia surge, é que é preciso esperar.” [5]

Importa considerar que um aparente pressentimento, mormente o de caráter negativo, também pode ser induzido por Espíritos que desejam o nosso desequilíbrio, conforme se pode inferir da mensagem “Influenciações Espirituais Sutis”, de autoria do Espírito André Luiz [6], da qual transcrevemos o trecho correspondente:

“Sempre que você experimente um estado de espírito tendente ao derrotismo, perdurando há várias horas, sem causa orgânica ou moral de destaque, avente a hipótese de uma influenciação espiritual sutil. (...) Dentre os fatores que mais revelam essa condição da alma, incluem-se:
- (...) indisposição inexplicável, tristeza sem razão aparente e pressentimentos de desastre imediato (...)”

Vemos, portanto, como a Doutrina Espírita aborda de forma responsável a questão dos pressentimentos. Orientados ao Bem, eles surgem apenas nos momentos adequados à nossa evolução moral e intelectual. As interações entre os dois planos da vida — o de matéria densa e o de matéria quintessenciada — devem ser feitas com responsabilidade, pois Espíritos de maior evolução não gastam seu tempo inspirando pressentimentos de adivinhações e assuntos banais. Foi o intercâmbio irresponsável com o plano espiritual que Moisés condenara, em citações como Deuteronômio 18:09-14 e Levítico 19:31. A interação entre os dois planos da vida em prol do Bem era utilizada tanto por Moisés (Números 11:26-29) como pelo Mestre Jesus (Marcos 09:38-40). Kardec, buscando trazer respostas dos Espíritos da Falange do Consolador a questões usuais, ilustra o tema em foco com estes ensinos [7]:

Por que, quando fazem pressentir um acontecimento, os Espíritos sérios de ordinário não determinam a data? Será porque o não possam, ou porque não queiram?
‘Por uma e outra coisa. Eles podem, em certos casos, fazer que um acontecimento seja pressentido: nessa hipótese, é um aviso que vos dão. Quanto a precisar-lhe a época, é frequente não o deverem fazer. Também sucede com frequência não o poderem, por não o saberem eles próprios. Pode o Espírito prever que um fato se dará, mas o momento exato pode depender de acontecimentos que ainda se não verificaram e que só Deus conhece. Os Espíritos levianos, que não escrupulizam de vos enganar, esses determinam os dias e as horas, sem se preocuparem com que o fato predito ocorra ou não. Por isso é que toda predição circunstanciada vos deve ser suspeita.
‘Ainda uma vez: a nossa missão consiste em fazer-vos progredir; para isso vos auxiliamos tanto quanto podemos. Jamais será enganado aquele que aos Espíritos superiores pedir a sabedoria; não acrediteis, porém, que percamos o nosso tempo em ouvir as vossas futilidades e em vos predizer a boa fortuna. Deixamos esse encargo aos Espíritos levianos, que com isso se divertem, como crianças travessas.
‘A Providência pôs limite às revelações que podem ser feitas ao homem. Os Espíritos sérios guardam silêncio sobre tudo aquilo que lhes é defeso revelarem. Aquele que insista por uma resposta se expõe aos embustes dos Espíritos inferiores, sempre prontos a se aproveitarem das ocasiões que tenham de armar laços à vossa credulidade.’” [7]

A benfeitora espiritual Joanna de Ângelis, na obra “Lições para a felicidade” [8], aconselha que analisemos os pressentimentos de forma clara e tranquila, quando ocorram, avaliando qual a mensagem de advertência ou socorro de que se fazem portadores. E conclui que, mantendo-nos em comunhão com os Espíritos Superiores, recebemos deles, por pressentimentos, notícias das ocorrências futuras, de modo a nos preparamos para melhor enfrentá-las e bem conduzi-las.


Leia também, neste blog, as postagens “Influência do Meio”, “Inspiração”, “Mediunidade na Bíblia”, “Causa da Obsessão”, “A Influência de ‘Maus’ Espíritos” e “O Bem e o Mal”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:

[1] HOLANDA, Aurélio Buarque de. “Novo Dicionário Eletrônico Aurélio”. Versão 5.0 de 2004. Positivo Informática. Pressentimento.
[2] KARDEC, Allan. “A Gênese”. 34ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1991. Capítulo XVI (Teoria da Presciência), itens 2 a 4.
[3] Wiktionary. Palavra ἀποκαλύπτω (apokalúptō). Disponível em http://en.wiktionary.org/wiki/%E1%BC%80%CF%80%CE%BF%CE%BA%CE%AC%CE%BB%CF%85%CF%88%CE%B9%CF%82. Acesso em 16/08/2010.
[4] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 522.
[5] KARDEC, Allan. “O Livro dos Médiuns”. 55ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Segunda Parte, Capítulo XV, item 182.
[6] XAVIER, Francisco Cândido e VIEIRA, Waldo. “Estude e Viva”. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 6ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1986. Capítulo 35.
[7] KARDEC, Allan. “O Livro dos Médiuns”. 55ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Segunda Parte, Capítulo XXVI, item 289 (Perguntas sobre o futuro), 11ª questão.
[8] FRANCO, Divaldo P. “Lições para a felicidade”. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador, BA: LEAL, 2003. Capítulo 13 – Pressentimento.


terça-feira, 7 de setembro de 2010

A revolta

Há casos de loucura que não derivam de lesões orgânicas. Em muitos desses casos, jaz escondida uma tentativa de fuga da vida e dos desafios que esta apresenta para nosso aprendizado e evolução. Não falamos apenas da loucura de que são portadoras pessoas como os pacientes de hospitais psiquiátricos, mas de todo tipo de desequilíbrio mental que nos danifica a saúde física, psíquica e espiritual. Tais desarmonias reduzem nossa força vital, e são vistas como formas lentas de colocar fim à própria vida.

A esse respeito, esclarece o instrutor Calderaro, na obra “No Mundo Maior”:

“Excetuados os casos puramente orgânicos, o louco é alguém que procurou forçar a libertação do aprendizado terrestre, por indisciplina ou ignorância. Temos neste domínio um gênero de suicídio habilmente dissimulado, a autoeliminação da harmonia mental, pela inconformação da alma nos quadros de luta que a existência humana apresenta. Diante da dor, do obstáculo ou da morte, milhares de pessoas capitulam, entregando-se, sem resistência, à perturbação destruidora, que lhes abre, por fim, as portas do túmulo. A princípio, são meros descontentes e desesperados, que passam despercebidos mesmo àqueles que os acompanham de mais perto. Pouco a pouco, no entanto, transformam-se em doentes mentais de variadas gradações, de cura quase impossível, portadores que são de problemas inextricáveis e ingratos. Imperceptíveis frutos da desobediência começam por arruinar o patrimônio fisiológico que lhes foi confiado na Crosta da Terra e acabam empobrecidos e infortunados. Aflitos e semimortos, são eles homens e mulheres que desde os círculos terrenos padecem, encovados em precipícios infernais, por se haverem rebelado aos desígnios divinos, preterindo-os, na escola benéfica da luta aperfeiçoadora, pelos caprichos insensatos.” [1]

Muitas pessoas fogem do encontro com sua consciência, na qual Deus inscreveu sua Lei (“O Livro dos Espíritos”, questão 621). Assim procedem porque, nesse encontro, ainda que útil à aceleração do seu processo evolutivo, terão de enfrentar e analisar a forma como procederam ao longo de milênios de existências corpóreas e entre as encarnações. Dessas análises, surgem a satisfação com as ações em prol do Bem, e a dor ao encarar maus procedimentos. A esse respeito, Allan Kardec assim pontua:

“O arrependimento acarreta o pesar, o remorso, o sentimento doloroso, que é a transição do mal para o bem, da doença moral para a saúde moral. É para se furtarem a isso que os Espíritos perversos se revoltam contra a voz da consciência, quais doentes a repelirem o remédio que os há de curar. E assim procuram iludir-se, aturdir-se e persistir no mal.” [2]

Até mesmo a ação da prece, poderosa e cientificamente comprovada em diversos experimentos, é bloqueada por um coração envolto em uma rija muralha de revolta, quando essa parede ainda não apresentar nenhuma brecha aberta por uma semente de arrependimento. São Luís, em mensagem mediúnica, esclarece:

“A prece só aproveita ao Espírito que se arrepende; para aqueles que, arrebatados de orgulho, se revoltam contra Deus e persistem no erro, exagerando-o mesmo, tal como procedem os infelizes; para esses a prece nada adianta, nem adiantará senão quando tênue vislumbre de arrependimento começar a germinar-lhes na consciência.” [3]

Foto: Hendrio Belfort

Importante destacar que tranquilidade íntima e resignação, absolutamente, não são sinônimos de apatia e conformismo. Devemos, sempre orientados ao Bem, buscar modificar o que esteja ao nosso alcance, e estudar as situações com as quais nos confrontemos — o que não significa julgar ninguém —, a fim de aprender o que fazer ou não fazer. Contudo, cabe a nós, ao defrontar os desafios das vidas, não alimentar a ira e a revolta deletérias, as quais só nos farão doentes e, por decorrência, com menos energia para modificar para melhor o que de fato compete a nós. Vejamos as considerações do Codificador a respeito do tema:

“A doutrina de Jesus ensina, em todos os seus pontos, a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras da doçura e muito ativas, se bem os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair. O pusilânime não pode ser resignado, do mesmo modo que o orgulhoso e o egoísta não podem ser obedientes.” [4]

A revolta não traz apenas malefícios em existências futuras. Nossa própria saúde física, com a qual se preocupam tanto os ateus como os religiosos, também é afetada, até geneticamente, por nossas emoções, como atestam pesquisas científicas. O renomado geneticista Kazuo Murakami, autor do livro “Código Divino da Vida — ative seus genes e descubra quem você quer ser”, afirma que pesquisas científicas atestam que a atividade de nossos genes pode ser modificada por nossas atitudes. Modificando nossos pensamentos para vibrações de alegria, animação e gratidão, ativamos genes focados na cura de enfermidades. Revolta e tristeza reforçam a atividade de genes afins com doenças. É mais uma evidência do poder do Espírito sobre o corpo que anima, mostrando que o indivíduo não é o corpo, mas deve zelar por seu bom funcionamento, cumprindo melhor sua missão na Terra, banindo o medo e o negativismo de suas emoções usuais.

Quanto mais adiarmos nossa reforma íntima, ou seja, nossa mudança de atitude em relação a pensamentos, palavras e ações sempre identificadas com o Bem do próximo, tanto maiores serão nossas pendências a acertar com nossa consciência. E sempre temos apenas o tempo presente para fazer essa modificação. A crença na multiplicidade de existências corpóreas, de forma alguma, deve ser utilizada como motivo para adiar nossa evolução, como orientam os Espíritos a Kardec à questão seguinte:

A possibilidade de se melhorarem noutra existência não será de molde a fazer que certas pessoas perseverem no mau caminho, dominadas pela ideia de que poderão corrigir-se mais tarde?
‘Aquele que assim pensa em nada crê e a ideia de um castigo eterno não o refrearia mais do que qualquer outra, porque sua razão a repele, e semelhante ideia induz à incredulidade a respeito de tudo. Se unicamente meios racionais se tivessem empregado para guiar os homens, não haveria tantos cépticos. De fato, um Espírito imperfeito poderá, durante a vida corporal, pensar como dizes; mas, liberto que se veja da matéria, pensará de outro modo, pois logo verificará que fez cálculo errado e, então, sentimento oposto a esse trará ele para a sua nova existência. É assim que se efetua o progresso e essa a razão por que, na Terra, os homens são desigualmente adiantados. Uns já dispõem de experiência que a outros falta, mas que adquirirão pouco a pouco. Deles depende o acelerar-se-lhes o progresso ou retardar-se indefinidamente.’” [5]


Leia também, neste blog, as postagens “Loucura sem lesão cerebral”, “Alienação mental nos tempos de Kardec”, “Maus Pensamentos”, “O Bem e o Mal”, “Pecado — Hamartia — Peccatu”, “154 anos do Consolador Prometido” e “A Prece”.


Bons estudos!
Carla e Hendrio


Referências:

[1] XAVIER, Francisco Cândido. “No Mundo Maior”. Pelo Espírito André Luiz. 20ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1995. Capítulo 16.
[2] KARDEC, Allan. “O Céu e o Inferno”. 37ª ed. Rio de Janeiro, RJ: 1991. 2ª Parte, capítulo VI, “Jacques Latour”, item IV.
[3] Ibidem, “O Espírito de Castelnaudary”, Questão 9.
[4] KARDEC, Allan. “O Evangelho Segundo o Espiritismo”. 97ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Capítulo IX, item 8.
[5] KARDEC, Allan. “O Livro dos Espíritos”. 66ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FEB, 1987. Questão 195.